Não?! Eu sabia!

Gosto do seu jeito de descascar laranjas com os dedos e gosto do seu jeito de (com olhos bugalhados tipo faróis) espreitar a manhã pela janela do seu terraço de horizonte-água, gosto. Os gomos de laranja, de azedos, contrastam com o doce dos seus beijos; e tonto mais ainda me sinto com a sua pergunta "sabe o que é o Sol?". Gosto de a ver rir, admirável. Há um relógio a bater na minha cabeça; quanto eu aprecio o seu talento para despertar prazeres adormecidos, quanto! Como?! Terei ouvido bem?! Se acha que não, já somos dois. Se acha que não tem talento, não se amofine, eu também não tenho, somos dois sem talento. Há uns anos (espero que esteja de acordo comigo) o talento era assim algo difícil de encontrar. Hoje não. Hoje quase todos, de uma ou outra (ou outra ainda) forma, possuem talento, vários talentos. Vamos aos factos que se faz tarde, é um nunca acabar de talento, vou dizer o que me passa pela cabeça. Rabiscos da miudagem expostos em museu, talento. Cerâmica vidrada feita por débeis mentais, talento. Amostras de tecidos embrulhados em corpos, talento. Falar pelos cotovelos, talento. E assim por diante. É um nunca acabar de talento, dos cueiros à faculdade é só talento. Já reparou que à nossa volta há sempre (tanto talento entornado!!!) quem dance e baile e rodopie, quem faça teatro e música e rimas, quem desenhe e pinte e borrate, quem toque gaita-de-foles e bata castanholas, quem dedilhe guitarra (ó Manel quanta falta fazes!) e sapateie desalmadamente… Pois é, concordo. Para nós os dois o tempo está farrusco, a coisa está feia e bicuda, não temos qualquer talento. Cá do meu lado não me atrevo, não ouso, não arrisco dizer que tive jeito para escorar ninhos de tentilhões, assobiar às rolas, colher amoras pretas, armar custis, jogar à bilharda e ao berlinde e ao espeta, fazer flautas de cana, descobrir cagalumes assustados e proteger cágados em viagem peregrina na ribeira. Esse meu jeito para brincar, era o jeito que eu tinha (e ainda tenho) de levar tudo a sério. Mal que lhe pergunte, jeito também é talento? Não?! Eu sabia!

(Mensagem recebida)

Flores, meu caro, gosto tanto de flores! Adiante. Tenho andado constipada (até que a voz rouca me cai bem), e ando preocupada (nervos meus!) com a minha mãe-esmeralda mas parece que tudo vai normalizar, quero e mando. Já li e gostei deste seu textinho, ando por lá em passeio divertido, franja ao vento, sem bússola a tiracolo e com três versos à proa de um sorriso, e gosto (e gosto) que me siga com os olhos; é verdade, assumo, eu sou excelente (em várias coisas, diga-se de passagem); e também a si lhe reconheço vários talentos, mas não se envaideça em demasia e aprenda sempre comigo. A verdade, verdadinha, é que não somos exibicionistas, não andamos ao despique com os outros, nem em bicos de pés, somos melhores, somos dos melhores. É tão giro e surpreendente este meu rabisco matinal!... Flores, meu caro, gosto tanto de flores!

Notinha
Quando tiver tempo, meu caro, leia esta entrevista. Vai gostar.

Comentários

Mensagens populares