Retrato a sépia
“A memória é ficção. Seleccionamos o
mais brilhante e o mais escuro, ignorando o que nos envergonha, e assim
bordamos a larga tapeçaria da nossa vida. Através da fotografia e da palavra
escrita tento desesperadamente vencer a condição fugaz da minha existência,
agarrar os momentos antes que se desvaneçam, iluminar a confusão do meu
passado. Cada instante desaparece num sopro e imediatamente se converte no
passado, a realidade é efémera e migratória, pura saudade. (…) Escrevo para
clarificar os segredos antigos da minha infância, definir a minha identidade,
criar a minha própria lenda. No fim de contas a única coisa que temos na
totalidade é a memória que fomos tecendo. Cada qual escolhe o tom para contar a
sua própria história; teria gostado pela clareza duradoura de uma impressão em
platina, mas nada no meu destino possui essa qualidade luminosa. Vivo entre
matizes difusos, esbatidos misteriosos, incertezas; o tom para contar a minha
vida ajusta-se mais ao de um retrato a sépia…”
Isabel Allende
Adenda (mensagem recebida)
Pois sim, meu caro, pois sim. Vou ali e já volto. O palminho de cara – cara
única nos traços e no sentir (ai ao olhos grandes, os brincos e o cabelo
apanhado, o branco caído e sugestivo do vestido: ui os seus olhos em bico) - na
capa do livro da Isabel Allende não engana ninguém, ah pois não engana. É uma
fotografia, sei que é, mas que tem jeito de escultura, lá isso tem. Recordo
agora, meu caro, uma conversinha de pé de orelha com o Henry Moore que, a
propósito de mim, me dizia: o seu rosto tem sempre, à primeira vista, alguns
pontos obscuros e novos significados e (acrescentou ele ainda) não revela tudo
de uma vez… Lobrigo daqui, meu caro, o seu ar de espanto, que bem lhe fica!
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