Naco de filosofia: a responsabilidade pelos actos e a inocência de si

A vida humana é mesmo assim: orienta-se pela necessidade e pela liberdade. As duas (a necessidade e a liberdade) andam a par: assim pensava Lucrécio. Mas nada melhor que recorrer a Espinoza e a Kant para aclarar a importância de uma e outra. Fazê-lo em jeito de processo judicial será considerar Espinoza advogado e Kant procurador. Assim... O primeiro (o ponto de vista do advogado) insiste, objectivamente, na necessidade e, subjectivamente, na misericórdia. O segundo (o ponto de vista do procurador) insiste, objectivamente, na liberdade e, subjectivamente, na culpabilidade. Há quem, com facilidade, prefira o ponto de vista do advogado; mas é uma preferência polémica e demagógica: a verdade é que a vida humana precisa das duas, da necessidade e da liberdade. Mas, como é que os dois pontos de vista podem funcionar em conjunto? Nada melhor que recorrer ao conceito de liberdade relativa para o aclarar, ou seja, liberdade com margem de jogo, indeterminação, iniciativa possível. Trata-se de uma ideia que permite compreender que somos responsáveis pelas nossas acções (somos nós que as escolhemos), mas não somos absolutamente responsáveis (porque não nos escolhemos a nós); quem diz então liberdade relativa diz culpabilidade relativa. Ora aí está (regressemos à metáfora judicial): porque somos relativamente culpados e relativamente inocentes, temos direito a advogados e a sociedade tem direito a procuradores. Necessidade e liberdade andam, na vida humana, sempre a par. Cada um é responsável pelos seus actos e inocente de si.

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