Atenção à potomania


(Mensagem recebida)
Que linda a imagem de água fresquinha, meu caro, que ontem eu lhe enviei: nem mais e nem menos, água no jarro de vidro novo que comprei para mim e para si. Hoje (estou preocupada consigo) antes lhe transcrever o meu rabisco em guardanapo de papel, quero alertá-lo para a “potomania”. Não sabe o que seja? Tem bom remédio, beba água com moderação, estude e combata afincadamente o seu analfabetismo científico (ai Carl Sagan quão tão inútil foi a tua missão). Aí tem o meu pensamento rabiscado em guardanapo de papel:
"Para matar a má impressão da cidade suja e desprezada de há poucos dias atrás, aproveitei uma folga da tarde depois do almoço e refugiei-me no meu café habitual, o pequenino e recatado, maneirinho como eu. Sim, como eu, recatado, sim, não gosto de dar nas vistas. Por hoje já chega, cá tenho comigo a distinção por bons serviços ao mundo e à vida, só distinções, só eu. Agora quero sossego. Refugio-me no ar-condicionado (oh maravilha tecnológica, fazes mal, mas sabes tão bem ao meu ócio inteligente)... Mas não pense o meu caro amigo que estou prá aqui de perna traçada sem fazer nada (tão só descanso a seda curva do meu vestido creme-luz, que bem ele me assenta, sou assim, ponto). É bem verdade que o calor não incentiva movimentos acelerados, mas comprei umas revistas (sabe bem que gosto de revistas de bom grafismo e de bom papel) e descansei os olhos grandes. É um bom exercício estar sentada! Sempre trabalham os neurónios e estes, pelo menos estes, não sentem o calor! Enquanto os dedos (lindas as minhas mãos pois não são, que lindas)  folheavam uma das revistas, eis que os olhos se prendem na página quarenta. Tem um título: "O Futuro nas Páginas de um Livro". Ah, não posso acreditar, está cá o seu Aldous Huxley, ei-lo de novo, com o seu "Admirável Mundo Novo", aquele em que todos os cidadãos são programados desde muito cedo para se mostrarem felizes. Ai, que saudade tenho do meu mundo das fadas, onde se sonham futuros admiráveis e as utopias dominavam o mundo (não pense que o meu amigo Thomas More é que as inventou, nem pense), de tal forma que as pessoas conseguiam ver as fadas, é verdade. Mas com o passar do tempo (é o tempo que passa ou somos nós que passamos pelo tempo, já não sei...), como as utopias tardaram a concretizar-se, nasceram os autoritarismos e os totalitarismos, actualmente tão em voga. Olhe, diz aqui que são "distopias", Jesus Maria, que os não conhecia por este nome. Para mim, que sou fada (princesa-fada quero eu dizer, alcanço-me onde raia o mito), são o resultado da falta de fé dos Homens que é sinónimo de falta de amor. Ai, o calor tem destas coisas. Divaga-se. Deixa-se o pensamento solto. Se não me estão a fazer sentir mal, querem então dizer-me que são pensamentos de bom-caminho. Deixá-los à solta, então. Vou folheando a revista, outra página e..., olálá! Escreve-se sobre Luz?! Aqui está um bonito desenho do Padre António Vieira, dedo indicador direito a apontar o céu e, consta, proferindo as seguintes palavras: "Nunca se empregam os homens na luz que vêem, senão nos defeitos que a luz lhes mostra". Creio que tinha e continua a ter razão. Vamos olhar o lado belo e luminoso da vida? Deixe de ser preguiçoso-da-felicidade e venha ver-me. Uma noite tranquila, sonhe comigo (o meu coração despe-se e nu irá ter consigo), oiça os grilos cantar (embora eu ache que eles gostam é de cantar para mim), e que o silêncio de cristalinas falas lhe fale de mim (sou eu que endireito os atalhos tortos da vida, sabe, pois não sabe?)".
Atenção à potomania!

Adenda
Potomania, meu caro, tem a ver com a expressão portuguesa “ir ao pote com muita sede”; e não é uma boa ideia, meu caro, não é uma boa ideia ir ao pote com muita sede, seja, melhor será evitar precipitações e ir com calma (e com alma, óbvio). Adiante. Vem isto a propósito da actual corrida dos nossos políticos ao pote do poder, e uma corrida ao pote com muita sede. Vão ter que penar, ai vão, vão, acredito eu, e digo porquê. Penso (seja eu ceguinha de gota serena se assim não penso) que não se pode confiar na vasta e basta populaça portuguesa inculta. Santa Bárbara me proteja em tempo de trovoada política! Então não é que, quando aterro na realidade, percebo que muitos maduros (e muitas maduras, ó céus) do bom povo português se marimbam para os políticos: titilam, isso sim, com “o bacalhau quer alho”... Se, mesmo sendo assim, ainda acredito que o povo português tem capacidade para escolher a melhor solução política para este seu país nas próximas eleições legislativas? Claro que não tem, claro que não acredito. Incomoda-me prever escolhas políticas não civilizadas mas, Santo Deus, que se há-de fazer, as coisas são como são. Mas que estes políticos me provocam migalhas de bocejos e enferrujados suspiros, lá isso provocam. Coitados, esfolham bem a flor do nada enquanto os outros (e as outras) titilam com “o bacalhau quer alho” num amanhecer político verdete… Potomaníacos de uma figa!

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