Às tantas um formigueiro mora dentro de si
Creio, meu caro, que nunca lhe falei da dedicação (tantos
estudos, tantas conferências será que ele tem vida própria?) do Laurent Keller à organização e ao
comportamento das formigas,
chegou a hora de o fazer, aqui lhe deixo um livro interessante.
Alto aí, reagi à inopinada chegada da única fada que trabalha aos domingos,
alto aí, é quase meia noite, eu estou quase a dormir, e estender-se na minha
cama, pés para cima como quem os mostra e descansa, linda de estar em curvas
livres e cabelo apanhado (as coisas que eu sinto quando estou perto dela!), e a falar-me de um livro sobre formigas, traz água no bico, pela certa.
Ela franziu a testa (até a franja se ressentiu) e começou a sorrir,
desfechando: vamos lá a
ver se a gente se entende, ando eu ou não embrenhada em dinamizar
projectos de regeneração urbana, sim ou não? Sim, ripostei, é só disso que
fala dia sim, dia sim, até parece que descobriu a pólvora, cá para mim outros
interesses a motivam. Ciúmes, ciúmes, trauteou, está com ciúmes, pensa que
algum Laurent anda embeiçado por mim; claro
que anda, não nego, olha a novidade, mas só me interesso por si e adoro vê-lo
gravitar na órbita da minha intimidade... Adiante. Gosto de conhecer os estudos, continuou, do Laurent sobre as formigas porque elas são animais sociais; saiba que pode haver
milhões de formigas numa só colónia: o que faz delas uma espécie ideal para estudar
comportamentos numa escala similar à do ser humano; nas cidades podem viver
milhares e até milhões de pessoas, sabe pois não sabe? O meu ar espantado
provocou-lhe um sorriso de orelha a orelha; eu lerdinho olhava-a embasbacado,
tão linda, tão torneada, que pele tão fina, que cheiro acidulado e bom, o meu
olhar concentrava-se na sua presença e afagava-lhe o perfil sinuoso e o sortilégio da nuca erótica. Oiça-me,
ciciou, estava a dizer-lhe que as formigas têm um elevado grau organizacional e
de sociabilidade que tem uma base genética (estão programadas para serem
sociais), situação similar à dos seres humanos, e tentava, insistiu ela, que
percebesse que, conhecendo a organização e o comportamento social das formigas, fico mais apta a opinar
sobre os diferentes modelos de regeneração urbana... Muito bem, concordei, acho sábia a sua
ideia, mas não lhe parece que são horas de dormir, amanhã é outro dia. A mim,
parece, respondeu de imediato, a si é que não, não consegue estar quieto, sou
levada a pensar há formigueiros por aqui; a propósito, saiba que os ninhos das
formigas são verdadeiras obras de engenharia (um quiproquó com um engenheiro
ainda me incomoda, diga-se) com centenas (até milhares) de câmaras subterrâneas
em vários metros de profundidade..., e tenha presente que, externamente, os
montes de terra dos ninhos das formigas atingem alturas razoáveis. Formigueiros
por aqui? Homessa, essa agora! Senti-me a perguntar e a exclamar,
interpelando-a. Oh, oh, meu caro, desmanchou-se risonhamente debruçada sobre
mim, ui o seu lençol de linho, algo em si se eriçou, um monte com cerca de
vinte e tal centímetros de altura está à vista e à mão de esgaravetar, vida a minha, sei eu lá, às tantas um formigueiro mora dentro de si.
A propósito deste seu escrito, meu caro, decidi (sou assim, que se há-de fazer!), decidi pesquisar mais sobre arquitectura e formigueiros; e (ó céus) então não é que me deparei com estes dois morros de muchém? Que mais me irá acontecer? Não sabe o que são morros de muchém? Céus! África minha!
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