Se eu disse bustrofédon? Claro que disse bustrofédon!


(Mensagem recebida)
Nem queira saber, meu caro, nem queira saber! Deu-me para recordar o trabalho nos campos (até me lembrei de reler "Os trabalhos e os dias" de Hesíodo), e tudo por causa da sua mania de passar temporadas em contacto com a natureza e a lavar os olhos em terrenos secos e lameiros e aldeias e montes e encostas e outeiros... Lembrei-me que (antes, talvez ainda agora, sei eu lá) os campos eram lavrados com bois (e outros animais, machos e burros) a puxar os arados; e, zás, catrapaz (sei eu lá bem como), descodifiquei a primeira estrofe de um poema que um meu amigo me dedicou, e estou feliz, sou mesmo inteligente, pois não sou?! Não consigo calar o meu espanto. Aí tem os primeiros quatro versos:

Este é um extenso poema, por ti inspirado,
arorua amu amla ad etion na aicnuna euq
e esta estrofe é deste meu poema, dedicado
aroma a robas moc sodnil soibal suet soa

E como é que eu os descodifiquei os primeiros versos da primeira estrofe do poema? Ora essa, lembrei-me de si e da sua mania, e recorri à imagem (que lhe envio) de um agricultor a lavrar, e descobri: veja bem, o agricultor chega ao fim de um sulco e volta (inteligentemente) o arado e inicia um novo sulco ao lado do que tinha acabado de fazer... E o que é que eu imaginei? Imaginei que talvez esse meu amigo (tanto ele me tarda, dizia-se em português medieval) tivesse escrito o poema como quem lavra um terreno (com boi - ou outro animal - e arado) e em zig-zag..., raios me partam, pensei, se dois versos não estão ao contrário; e, bingo, num jogo de tira e põe, acertei. Sabia, meu caro, que (em tempos que já lá vão) houve esse tipo de escrita, escrita a que chamam de "bustrofédon" (uma palavra de origem grega e composta de bous-boi e strophé-virar)?! Não sabia?! Não quero crer. Nunca mesmo (não minta) ouviu falar no "bustrofédon"? Então, qual será a origem da palavra estrofe?!... Se eu disse mesmo bustrofédon? Claro que disse bustrofédon! Mas, ó meu caro, acredite, fiquei tão feliz com aqueles versinhos, tão feliz que até o meu coração ficou transitável..., e (ó céus!) senti a vida a ressumar autenticidade em mim e através de mim.

Adenda
Oh, oh, meu caro, como me sinto feliz com o meu coração transitável, tenho que interromper o seu trabalho, desculpe, desculpe, desculpe...; mas ai, ui, ai aquela estrofe sinuosa e bem bonita (Deus me livre e guarde!) deixa-me a gaguejar de felicidade. Neste "Dia da Voz" vou cantar enquanto danço consigo. Não é para me gabar mas que canto bem, lá isso canto...Se danço leve? Então não!

Adenda
Pois sim, fiquei cá a matutar, meu caro... Se a escrita tem que se lhe diga, a leitura não o tem menos. Vai daí, fui confirmar a tese do Stanislas Dehaene de que a leitura é uma actividade recente na evolução do cérebro: de carreirinha, passe os olhos por aqui e, depois, fale comigo, tenho algo para lhe dizer.

Adenda
!orac uem, àlO
Fantástico artigo, o do Stanislas, sobre as características da aprendizagem da leitura e escrita e com exemplos que são muito comuns nas salas de 3 anos (na creche), em que as crianças gostam de desenhar imagens de letras ou palavras (entre outras) e fazem-no, habitualmente, em espelho (sim espelho),.. O que leva (muitas vezes) a que os adultos se questionem sobre  a "definição de lateralidade" da criança ou sobre aspectos de bom desenvolvimento das competências futuras para a leitura e escrita, pensando (olálá, calma aí) estas características do desenho das letras como preocupantes.
!ahnidirroc ed reler uoV

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