O cérebro e os carapaus

El poder “curativo” de los omega-3 y la vitamina D
Se gostei, meu caro, do programa "Prós e Contras" em que se falou do cérebro? É isso o que quer saber? Claro que gostei, nem queira saber quanto gostei... Então não é que por lá apareceu um cientista físico (gostei dele e não é seca nenhuma ouvir o que ele pensa) que disse que a palavra emoção apareceu no tempo de Descartes e que Descartes não conhecia português (por causa do existo versus sou)? Mas o Descartes sabia latim e o português vem do latim, tenho que ter uma conversa com esse físico, ele (que até falou de magia) vai adorar a minha extrema sabedoria lúcida e mágica. Ah, vou ter que lhe recordar (a si, meu caro, não ao professor físico) que no início do "Discurso do Método" Descartes chama a atenção de que "não chega ter um espírito bom, que importante é aplicá-lo bem"... Vá lá, ciciou em meiguice pegada, deitado a esta hora, tão cedo, acorde, não finja, sei que está interessado em ouvir a minha opinião; gostei muito ainda daquele senhor Quintanilha, sabe mesmo do que fala, e passei-me com aquela cientista lambisgóia novita (como elas agora se vestem, Deus meu, ai aquele cabelo!) que perorou à volta da ignorância sexual... Tudo bem, interrompi a fada-guicha (única, linda e original) que, em trejeitos de cuidado e enquanto falava, me rapinava a minha nova manta de lã merina (pelo canto do olho percebi que trazia a tiracolo uma imagem enrolada com o seu caderno preto argolado)...; tudo bem, insisti, mas mostre-me essa imagem que traz consigo... Sempre o mesmo, retorquiu, sempre o mesmo, aí a tem, uma curiosa imagem de um cérebro prontinho a comer dois carapaus com faca e garfo. Não, por favor, irritei-me, por favor não brinque comigo a esta hora, o que é que esta imagem tem a ver com o programa de ontem? Essa agora, respondeu-me no mesmo tom, então não ouviu que o cérebro se preocupa com o nosso mundo interior e que o tipo de alimentação pode ser essencial para manter o equilíbrio do funcionamento do cérebro? Ouviu ou não ouviu?! Não seja assim, interrompi, claro que ouvi, mas daí a um cérebro com duas mãos, faca, garfo e dois carapaus..., chega, quero dormir, talvez possa devolver-me a minha manta, amanhã falamos melhor. Fez que não me ouviu refilar, e ronronou deliciada e em jeito maneira tão seu peculiar: tinha intenção de lhe falar da serotonina e as emoções (não esqueça que a serotonina afecta uma ampla gama de funções cognitivas e de comportamento), e era meu desejo mostrar-lhe o poder dos ácidos gordos "Ómega 3" (sabe que a falta de Ómega 3 é muito comum em quem não come peixe gordo, por exemplo os carapaus?); durma então, se quer dormir, enrole-se comigo, mas, se não está interessado em me ouvir, durma mesmo, alerto-o desde já que se se armar em carapau de corrida, como-o sem faca e sem garfo, às dentadinhas espaçadas... Passou-se dos carretos, gaguejei incomodado, tentando agarrar um fio do diálogo. Ela casquinou uma gargalhada infantil e uma estranha sensação invadiu-me; pus-me a devorar-lhe o rosto e nos lábios dela passou um sorriso gaiteiro: a minha manta só já era dela!

Adenda (mensagem recebida)
Ui, meu caro, quanto me diverti a ler este seu relato da nossa conversinha de ontem, quanto, quanto, quanto, sei eu lá bem porquê, ou às tantas até sei e não me lembro... Adiante. Venho aqui dizer-lhe o que me aconteceu de repente: lembrei-me, sei eu lá bem porquê, lembrei-me do Lluis Llach e da sua canção "Estaca", canção que o partido político "Podemos" (da nossa vizinha Espanha) recuperou. Cá para mim, a talhe de foice, esta ideia de um partido utilizar, como música de fundo político, uma canção vulgarizada há muitos anos, é algo que me deixa com uma pulga atrás da orelha, é assim a modos que "o amanhã é coisa de ontem" e que nada adianta de novo, é assim a modos que uma fantasmagoria sem cérebro... Oh pá, oh pá (oh pá!), que raio de associações terão acontecido no meu excepcional cérebro, para me ter lembrado do Lluis Llach, da Estaca e do Podemos? Lluis, Estaca e Podemos, oh pá, oh pá, ai a minha costela política, será?! Estou de franja à banda, vida a minha, vou saber (vou mesmo) como é que o L. Wittgenstein interpretava o pensamento através da análise da linguagem. A propósito, sabe, meu caro dorminhoco, que o enorme projecto filosófico do L. Wittgenstein era essencialmente curativo, pois que a sua pretensão não era propriamente a de transformar o mundo, nem sequer a de o explicar, como certamente a ciência sempre o pretende fazer, mas tão somente a de induzir uma profunda libertação da consciência, prisioneira que está nas malhas da linguagem? Não sabe? Olha a novidade!

Comentários

Mensagens populares