A estória do dia tem magia

Mensagem recebida
Vou contar-lhe mais uma estória, meu caro, a estória do dia.
Há uns anos para cá, começaram a chamar-me "Princesa". Amigos, colegas de trabalho, até estranhos que soltam piropos na rua. Não é o máximo?! Não me parece que tenha sido princesa em Atenas, até porque me estão sempre a dizer que pareço uma princesa egípcia. Verdade. Juro! (será por causa do olhar, do meu cabelo negro, sei lá eu bem). E, ainda por cima (oh vida), a sugestão de realeza acentuou-se por causa de uma franja. Nunca fui ao Egipto, mas alguma coisa me diz que ainda lá terei de ir. Adiante. Como hoje me chamaram Princesa, quando regressei do trabalho, concentrei-me nessa ideia e resolvi fazer uma brincadeira que gosto de fazer com os livros. Assim. Passo os olhos pelas lombadas dos livros e deixo que a minha intuição me diga em qual deles devo pegar (é sempre assim que compro os livros, para mim ou para oferecer). E assim foi o que fiz com os livros que repousam num móvel cá de casa (digo que repousam, porque nos últimos anos arredei-me deles). Quer acredite, quer não acredite, o meu olhar escolheu um livrinho pequenino, de lombada fininha, com o título: A Princesa (de D. H. Lawrence. Já não me espanto, nem me assusto, com estas coisas, como antes. Tornaram-se "naturais". Dei uma gargalhada, a primeira depois de um fim-de-semana de rosto fechado, e pensei: tinha de ser! Observei a capa, é uma 2.ª edição, de Março de 2002, da editora Assírio&Alvim. Tem na capa a reprodução de uma aguarela de D. H. Lawrence, intitulada "A Mangueira" (embora a dita mal se veja, pelo menos na capa do livro, o que salta da aguarela pelos olhos dentro é a mão de um homem nu a acariciar o seio esquerdo de uma mulher nua, que repousa o seu braço esquerdo sobre os ombros do seu companheiro; ui, nada sugestivo..., Adão e Eva?). Mas o que terá este livro para me dizer hoje? Costumo abrir o livro "escolhido" (não sei bem se não terá sido o livro que me escolheu a mim) ao acaso. Afinal, lembrei-me agora de quem que me ensinou esta parte da brincadeira! Página par ou ímpar? Linha...? Fechei os olhos, inclinei devagarinho a cabeça para trás e, zás, soltei outra gargalhada. Claro que me lembro perfeitamente de quem foi, como poderia esquecer?! Abri o livro. Ah, o Destino (ou Deus quando o tece, é a mesma coisa) é tão brincalhão! Página ímpar. Vou transcrever a página 11 de "A Princesa", de D. H. Lawrence, e faça o favor de sorrir, está bem? Aqui vai:
"A minha Princezinha não deve importar-se com os outros - costumava repetir-lhe - . Não deve ligar ao que dizem nem ao que fazem. Porque as pessoas não sabem o que fazem nem o que dizem. Falam, falam, e fazem mal umas às outras e a si próprias, e depois choram, Mas não queiras saber disso, Princezinha. Porque não vale nada. Há outra pessoa dentro de nós, um diabo que não se rala com nada... Se descascares aquilo que as pessoas dizem, fazem e pensam, como a cozinheira descasca as cebolas, dentro de todas encontras um diabo verde, e esse não podemos descascar. É um diabo sempre igual, que não quer saber do que sucede às cascas que as pessoas têm por fora, nem do seu falatório, nem de assuntos de marido e mulher e crianças, de maçadas e correrias. Se tirares essas cascas às pessoas, encontras um diabo verde que todos os homens e todas as mulheres têm; e esse diabo é o verdadeiro eu do homem e o verdadeiro eu da mulher. Não quer saber de ninguém, pertence aos diabos e às fadas de antigamente, que não queriam saber de ninguém. Mas diabos também há, grandes e pequenos, também há fadas demoníacas e esplêndidas, e fadas vulgares. Fadas reais é que não há. Só tu, minha Princezinha. És a última fada saída à raça real do povo de antigamente; a última, Princezinha. Não há outra. Somos os últimos, tu e eu. E só ficas tu quando eu morrer. Por isso não deves ligar muito às pessoas neste mundo, minha querida. Porque têm diabos decadentes e vulgares. Que não são reais. Real depois de mim, só tu. Não te esqueças. E também te não esqueças que é um grande segredo. Se o contares às pessoas hão-de querer matar-te, invejosas por seres uma Princesa. O nosso grande segredo é este, minha querida. Eu sou príncipe e tu és uma princesa de sangue velho, muito velho. E vamos guardar este segredo só para nós e mais ninguém…”.
Como é que se conta, meu caro, uma "brincadeira" destas com a linguagem da ciência? Convença-me que não há aqui uma pontinha, pelo menos uma pontinha, de magia... Claro que há magia, ora essa!

Adenda solta
Acabei de, deliciado, acabei de ler esta  belíssima "A estória do dia tem magia", e deu-me para delinear, num poema pequenino, a imagem de uma fada-princesa. Assim.

Os olhos grandes de mel
O cabelo apanhado de perfil
A curiosidade à flor da pel(e)

A pele fina e de meiguice
Foi o que vi e senti vezes mil
E só agora a mim o disse

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