Um peixe-menina?!


Quanto eu gosto de ver o seu ar espantado, oh, pá, oh, pá, oh, pá... Ser acordado tão cedo, vê-la tão bonita, de vestido novo a escorrer por si até aos joelhos torneados, a acordar-me tão fora de horas..., e a mostrar-me uma imagem tão curiosa, que admiração a sua, ripostei ao gaguejar risonho da única fada que todos os dias, sem excepção, decide surpreender-me. Pois saiba que escolhi esta imagem (reparou numa réplica do meu chapéu de praia no aquário da direita?), interrompeu, para lhe falar do nascimento da justiça, justiça com quem trabalho todos os dias... Alto aí, dei por mim a falar sozinho, alto aí, estou mesmo a sonhar, mas que vaidosice a dela, sempre a mesma... Claro que não está a sonhar, trauteou, não está a sonhar, ora sinta em si as minhas mãos cientistas em terapias cuidadas... Vamos ao que interessa, continuou, pense comigo, já ouviu falar no jogo do ultimato? Não? Ainda não?! Vida a minha! Oiça... Imagine que entrega a duas pessoas 20 euros e que pede a uma delas que reparta os 20 euros com a outra pessoa; a segunda pessoa pode ou não aceitar a oferta, mas se a rejeitar ficam ambas sem nada..., o curioso é que perante propostas pouco equitativas (15 para mim, 5 para ti) a maioria das pessoas tende a rejeitá-las... O que faz com que um indivíduo (a voz dela deixava perceber a sua guicheza) prefira ficar sem nada quando podia ficar com algum dinheiro - pouco ou muito - sabe? Não, não sei, estranho, é estranho, pois não é? Questionei. Pois, meu caro, aí é que está o busílis, sussurrou de mãos soltas e vadias, o busílis que a Sarah Brosnan e o Frans de Waal pensam ter resolvido: "propõem que este tipo de comportamentos tem uma origem evolutiva e que, em concreto, a sua emergência serviu para cimentar a cooperação entre indivíduos da mesma espécie...". É aí que, alvitrei, começa o caminho para o sentido de justiça nos seres humanos? Até eu me admirei com a minha pergunta, confesso... Oh, oh, oh, meu caro, sussurrou, os milagres acontecem quando eu estou perto de si..., de facto assim é: as maiores faculdades cognitivas dos seres humanos moldaram aquele instinto primitivo até o transformarem num sentido de justiça abstracto e com valor moral... A aversão à inequidade tem raízes evolutivas, é isso? Atrevi-me. Boa pergunta, meu caro, adocicou a voz, bela pergunta..., claro que tem raízes evolutivas, imagine só a desorientação do peixe do aquário da esquerda quando olha para o aquário da direita... Bem sei, bem sei, ciciou no meu ouvido zonzo, bem sei que no aquário da direita vive feliz um peixe-menina... Um peixe-menina?! Socorro, acudam, alguém que me acorde, não é justo!

Adenda (mensagem recebida)
Muito atrasada, porque já é quase hora do almoço, ai a minha vida! E oh que surpresa! Como é que adivinhou, meu caro, que eu ia ficar de ar surpreso e boquinha em ó com este seu textinho?! Seguramente (ou Costamente sei lá eu já bem, política a minha...) já encomendou (aposto) uma musiquinha ao Rogério Charraz para me dedicar, tenha atenção à letra... Assuntos de direito ocuparam toda a minha manhã e agora fala-me de Justiça, sim senhor, maior a surpresa não podia ser… Sei que se interessa e muito pelas questões da equidade, da solidariedade e, por inerência, da justiça (nisso não reside nenhuma surpresa), e falar delas é mais uma forma de se aproximar de mim, bem sei, bem sei. E gosto, claro. Todos sabem, com certeza, que a Justiça nasce dentro de nós muito cedo (não foi o meu caro amigo que me falou do sentimento de justiça em crianças com menos de dois anos?), talvez a natureza universal da justiça seja Direito Natural e venha inscrito no nosso ADN, quem sabe, olálálá… Já sei que não duvida, meu caro, já sei que sabe que não sou deste mundo, uma fada está acima destas coisas, como o profeta dizia: a César o que é de César... Adiante. Foi um sábio humano e filósofo, de nome Aristóteles, que muito se debruçou sobre o conceito natural de Justiça e que vaticinou que justo é o homem que cumpre as leis e aquele que busca com os seus actos a igualdade. E houve outros, meu caro, houve outros, o São Tomás de Aquino (olhe que até o Santo António a pregar aos peixes) se preocuparam com estas coisas sérias da vida humana, Jesus, Maria! Será por isso que a Justiça é uma virtude cardinal (as outras são a Fortaleza, a Prudência e a Temperança)?!... Conhece bem a sua fada, sabe que sou uma defensora da igualdade, mas também sabe que gosto muito do conceito de equidade, não sabe? Dar a todos o que é justo e o que é devido. Se todos cooperarem uns com os outros (quem é que escreveu que é preciso cooperar?...) e se não tratarmos de forma igual o que é desigual, o universo e a vida neste planeta que escolhi para viver consigo, será melhor. Não acha? Claro que acha, pois acha… Sabe que fui eu que servi de figurino para esculpirem e desenharem a figura da Justiça? Não sabia?! Parece mentira, então, não viu que sou eu? Pois, fui eu que sugeri que os olhos fossem vendados, para que os meus olhos grandes e expressivos não distraíssem os homens do sentido das normas e do cumprimento das mesmas, a lei é igual para todos. Gosto bastante da balança numa das mãos, tão equilibrada, nem tão-tão, nem nem-nem… Se um dos pratos se desequilibra, é trágico, meu caro, tão difícil é tomar uma decisão sem ferir alguém ou sem deixar de reparar um dano ou uma lesão de outrem. E a espada na outra mão?! Ai, a espada, tão firme, tão acutilante, tão certeira, é como a palavra. Diga-me o meu caro poeta-pensador-cientista como é possível que uma criança pequena que ainda não domina a linguagem e só diz (só arrisca) “ma-ma - pápa-pápa”, já faça julgamentos, diga-me?! Cuidado com os comportamentos injustos e imorais perante crianças pequenas, não pense que elas não percebem… Eu até sei (ai o tanto que eu sei) que os chimpanzés (que só falam em chimpanzês apurado), também têm os mesmos sentimentos de justiça... Observe agora aqui um pormenor da comunicação do Frans e ria-se um pouquinho, rir faz bem, meu caro... E os peixinhos? Estou siderada, só de pensar que aquele peixinho está a fazer: a avaliar aquele outro peixe-menina... Os peixes também têm sentimentos de justiça?! Vou ali e já volto, a cantarolar: Sou peixinha d'ouro-d´oira/Sou fadinha encantadora!/Ao meu poeta quero bem/Ai, Jesus! Que já lá vem! Acho justo que ele venha… Gosto, gosto, gosto!

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