Que guicha, chiça!

Estive, meu caro, a reler o seu textinho sobre a nossa conversa de ontem, até que não está mal escrito e até deixa a pairar um subentendido que me fez sorrir e apanhar o cabelo ... É bom que saiba que eu que sou fada, curiosa e leitora de muita informação sobre citocinas (ou citoquinas como eram chamadas nos tempos pretéritos), imunossupressores e células T (ou, se preferir, linfócitos T), também tenho muitas reservas sobre a "poda" feita por aquele fungo... Sou muito curiosa e muito filha da minha mãe (que me deixou uma curiosidade clínica pelos processos químicos e celulares) e não quero ser mais papista... Mas então, pedi-lhe surpreendido com a sua presença (ai que perfume tão bem escolhido!) a tão altas horas de uma noite quente, explique-se, por favor. Linda de viver, ajeitou nos ombros uma manta levezinha, sentou-se a causar-me arrepios e calores, e debitou com a sua melhor voz, ar de mocho-galego sábio e franja em desalinho:
1.Os imunossupressores são cegos na debilitação do indivíduo.
2.Essa "poda" também me parece pouco especifica e especificada; ao ser feita naturalmente, depende de factores epigenéticos que estão ausentes (parece-me) no relatório dos efeitos da rapamicina que são transversais a toda a massa neuronal.
3. A manipulação dos receptores de cálcio, dos ácidos gordos, das citocinas e das celulas T por acção de um fungo (porque é disso que se trata), mexe em demasiados parâmetros da química neuronal - mielinização, receptores sinápticos e cálcio, integridade química do neurónio - para ser feita sem alvos neuronais definidos e com a ameaça de destruir aleatoriamente: como é que depois montam novamente os circuitos indevidamente afectados..., ou fica tudo por conta da plasticidade cerebral?
Que linguagem complicada a sua, ripostei, não se importa de falar em linguagem simples? Seja, anuiu... O resultado da utilização do antibiótico retirado daquele fungo, martelou as palavras, mais me parece um desbaste de um pinhal; desbaste que, em vez de cortar algumas árvores ou ramos de outras árvores, corta e recorta e/ou compromete todos os pinheiros..., e, depois, espera que renasçam novamente: o que acontece, é que os pinheiros envelhecem comprometidos ou morrem... Não conhecia esse seu lado céptico, interrompi, mas admite que haja questões fundamentais já estudadas e já experimentadas por alguns neurocientistas?! Claro que admito, sossegou-me,  mas junto de si (uma espécie rara de macambúzio autista encartado e ajuramentado) posso, aconchegadinha, fazer estas incursões por dentro das minhas dúvidas, depois de já ter ouvido as teorias mais variadas sobre o autismo (as suas mãos trôpegas já me tinham desnorteado)...; claro que todas essas teorias são benévolas e bem intencionadas mas poucas delas são bem sucedidas... Sentindo-me perdido e completamente rendido às suas mãos e aos seus olhos bogalhados, gaguejou enquanto se enroscava em trejeito siamês: "havemos de ter uma longa conversa...; até sobre as metodologias pedagógicas que aprendi a abominar, como o método teacch...; se, na próxima semana, estiver apostado em conversar comigo, com tempo e com disposição para isso e para isto, eu faço-lhe uma poda selectiva de temas e refaço-lhe a sua teoria da mente, para deixar de ser tão autista comigo...". Tudo bem, murmurei, falamos na próxima semana (eu nunca sei o que pensar ou o que dizer quando ela fica tão perto de mim). Óptimo, óptimo, óptimo, meu caro, ciciou, eu continuo esperançada em que perceba que não sou uma ameaça..., sou apenas uma fada que nasceu num universo distante, sou uma fada muitíssimo inteligente (ainda mais do que julga ou possa imaginar) que o admira e que gosta muito de si como é (ela não deixa os elogios para voz alheia, pensei comigo)...; ou será que deveria dizer como sou?... Que guicha, chiça!

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