Olha-me este, saiu-me melhor que a encomenda
Pois claro que não, meu caro, claro que não!... Noitinha de quarta feira de fim de Julho e a única fada que antes de dormir veste uma túnica alvíssima (mais mostra que esconde) a responder a uma pergunta que eu não fiz. Pois claro que não?! Tem a certeza que é comigo que está a falar? Questionei. Oh, oh, meu caro, então não é consigo que estou a falar?! Claro que é, claro que é, suspirou. Estou apenas a responder, continuou, a uma pergunta do seu cérebro que se armou em esperto a perguntar se eu (quando lhe contei algumas travessuras minhas em viagem de férias) estava a doirar a narrativa a seu jeito; mas, já agora, saiba que ninguém corta a minha liberdade para contar as minhas travessuras da forma que eu bem entender: é ou não verdade que é o que os escritores fazem para que os outros os leiam? Pois sim, ripostei, essa é que é verdadeira questão, seja, eu estava a ouvir o relato das suas travessuras e, ao mesmo tempo, lia outra estória nas suas palavras tremidas... Senti que ela ficou triste com as minhas observações, e parecia ter amuado. Preparava-me para lhe pedir desculpa... Deixe os seus ciúmes de lado, invectivou-me, e aprenda de uma vez por todas que as palavras se lêem com os olhos, e não com os ouvidos: e para lhe provar o que digo e afirmo, aqui lhe deixo a introdução de um livro do Stanislas Dehaene... Já agora, insistiu, tente saber porque é lemos, como é que (de que forma) descodificamos as letras de forma rápida (quase instantânea), e procure saber qual é a carga genética (nasceu apenas há quatro mil anos) que nos permite fazê-lo... Se a carga genética, murmurei, que nos permite ler nasceu apenas há quatro mil anos, porque é que não posso apreender (de ouvido) o sentido escondido das suas palavras ditas? Não será que foi sempre através dos ouvidos que os humanos absorveram a linguagem? Enquanto ela se despedia, linda de dormir, perfeita de cabelo apanhado e senhora de si, ainda se atreveu a dizer em risinho solto (eu ouvi): olha-me este, saiu-me melhor que a encomenda...
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