Tosão é de ouro!

Tenho andado nas nuvens (vida que eu agora vivo, Santo Deus) e, talvez por isso, só agora me dei conta que não pensou em nada quando ontem lhe disse que tudo é energia, pois não pensou? Claro que pensei, respondi de imediato a esta pergunta, tudo nada incomodada, da única fada que apenas calça os sapatos rasos depois de (e só se) já vestida em tons combinados. E, tanto pensei na sua afirmação (de que tudo é energia), afirmação feita de forma tão polida e tão feminina, sublinhei, que até quis saber de Gaston Bachelard o que é que ele pensou sobre a estranha e sugestiva combinação entre eros e pedra polida; imagina que ele garante, exclamei, que se amam as pedras do mesmo modo que se amam as mulheres (que surpresa)! Não sei o que fazer consigo, desmanchou-se em risinho preso por um fio e enquanto afagava a flor da blusa verde seco que lhe valorizava o ombro nu torneado; confunde tudo, baralha tudo, continuou…; que eu seja atraente, lisa de carácter e polida no trato, é pacífico e não há ninguém que o não saiba; mas bem que lhe pergunte, o que é que tenho a ver com uma pedra, esta agora (é difícil suportar os seus olhos grandes abertos, pensei). Adiante, sussurrou; já percebi que para si sou uma pedra carregada de energia que transporta consigo todos os dias, gosto, gosto, gosto… Atente que, em complemento do que ontem lhe falei, os seres humanos respiram ar carregado de energia cósmica sob a forma de partículas extremamente subtis de poeiras cósmicas, e estas poeiras são o resultado de explosões de estrelas, de planetas e de asteróides. Preparava-me para a interromper… Alto aí, não se precipite, invectivou-me, oiça até ao fim, caso contrário volta a baralhar (e a baralhar-se) tudo de novo. Aquelas poeiras são uma componente essencial da terra… Já reparou que as plantas são os únicos organismos vivos que transformam (directamente) a luz em alimento, e já reparou que os seres humanos absorvem a energia indirectamente comendo legumes ou carne de animais que se alimentam de plantas? Sim, claro, claro que já reparei, ouvi-me dizer; até sei que a interacção da luz, das poeiras cósmicas na terra e do ar, em conjunto com a água, constitui a base da fotossíntese nos vegetais… Bingo, suspirou em exclamação juvenil! Obrigada, obrigada, obrigada, falou baixinho, afinal sempre pensou no que lhe disse sobre o facto de tudo ser energia. E, “sem tem-te nem mas”, desafiou-me: estou a ler o seu pensamento, vá lá, cite o que escolheu do livro do meu amigo Gaston. Não me fiz rogado (Bachelard também é amigo dela?!); disse-lhe que estava a ler a “Água e os Sonhos” e que uma pequenina parte de texto me deixou perplexo: “Qual é pois a função sexual do rio? É a de evocar a nudez feminina. Eis uma água bem clara, diz o passeante. Com que fidelidade ela reflectiria a mais bela das paisagens! Por conseguinte, a mulher que nela se banhar será branca e jovem; consequentemente estará nua. A água evoca a nudez natural, a nudez que pode conservar a inocência. No reino da imaginação, os seres realmente nus, de linhas sem tosão, saem sempre de um oceano. O ser que sai da água é um reflexo, que aos pouco se materializa; é uma imagem que antes de ser um ser, é um desejo antes de ser uma imagem…”. Nem digo, nem conto quanto ela se riu (a bandeiras despregadas) quando acabei de ler o texto de Bachelard. Apenas digo que, de franja desfraldada, atirou para o ar: tosão é de ouro!

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