A Mona Lisa é um quadro mas eu sou um doce, verdade?

Felicidade, surpresa, raiva, tristeza, medo e nojo: seis, mas alguns dizem que são quatro, e na semana passada o Aleix Martinez garantiu-me que são vinte e uma. Que lhe parece, meu caro? Se isto são maneiras de uma fada (por mais desejada e amada que seja) me acordar numa manhã de primavera com chuva, vou ali e já volto, pensei comigo, enquanto me virava debaixo do meu cobertor de lã merina. Leu-me o pensamento porque de mansinho, soprou-me, em confidência: o Aleix tem razão e eu sou a prova provada que assim é. Decidi entrar no jogo, rememoriei esta notícia, e disse-lhe, convicto: não sou assim tão lerdinho que não tenha percebido que está a falar de seis expressões/emoções faciais, que eu não saiba que alguns juntam felicidade e surpresa e medo e nojo, e assim só falam de quatro, e que eu não tenha já ouvido falar no excelente estudo desse seu amigo (estudo que identificou vinte uma expressões faciais, umas simples e outras compostas). Que riquinho sábio! Ciciou ela em jeito de admiração pelas minhas afirmações. Então também já sabe, observou, que o reconhecimento facial pode ser considerado como uma gramática nalguns aspectos mas não em todos, e sabe de certeza que os elementos do reconhecimento das expressões faciais não são nomes e verbos, mas são sim parâmetros, como a forma dos lábios e como o grau de abertura dos olhos. Não resisti... Se assim é, questionei, podemos interpretar cientificamente o enigmático sorriso da Mona Lisa? Belíssima questão, interrompeu-me... Então não é que, insistiu, num restaurante maneirinho, virado a sul e água, há uma mesa de janela onde jantei com o Aleix, bebemos um bom vinho e pesquisamos, em excelente conversa, o sorriso enigmático da Mona Lisa, seguramente durante mais de duas horas? Adorei, adorei, adorei... O Aleix (que querido e que bem educado ele é!) garantiu-me que a Mona Lisa exprime uma expressão feliz na boca e não nos olhos, que se destaca a assimetria e que a metade direita da imagem (esquerda dela) está feliz, mas não a metade esquerda (direita dela), imagine só! Charada (seis, quatro, vinte uma), Aleix e Mona Lisa, disparei, é muita areia para a minha cabeça cheia de sono, podemos parar por aqui? Tudo bem, observou, os malditos ciúmes tomaram conta de si, sempre o mesmo desconfiado..., durma bem e aconchegadinho para não ter frio; e um dia destes, tranquilizou-me com as suas finas mãos trôpegas e vadias, continuamos esta conversa, mas fique descansado que eu só penso em si..., só em em si e em mim, claro... Mas olhe (previna-se a tempo) porque em mim, gaguejou, um pequeno grupo de números primos de expressão facial são um acervo básico, cujas combinações dão lugar a um caleidoscópio de gestos, piscadelas e mímicas que me desvelam inteirinha em dias sim, dias em que espreito as sensações de olhos cegos e puro prazer... Serena, suave e deliciosa-pestanuda, despediu-se em trejeitos de cuidado, usando os olhos grandes (bogalhados de pérola) para iluminar um atalho irresistível, serpenteado e curvilíneo: a Mona Lisa é um quadro mas eu sou um doce, verdade?

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