Quer enfrentar algo? Então dê um passo na escuridão!

Hoje deparei-me com uma mensagem que me terá sido enviada por engano..., e não é que pensei logo que lhe era dirigida a si? De olhos fechados (recusava-me a acordar), percebi a voz da única fada que não dorme, e comecei a imaginar o seu corpo lindo em fundo musical muito agradável e relaxante…; perguntei-lhe, sem acinte, se não teria sido melhor ter reencaminhado a mensagem, ao invés de me acordar tão cedo e tão a despropósito. Não se fez de novas, sussurrando de mansinho que tinha deixado de ter dúvidas, a mensagem era mesmo para mim.... Assim de repente, deixou de ter dúvidas?! Perguntei de olhos sempre fechados e com as mãozinhas dela por perto. Meu atrapalhado mental, suspirou num "ai a minha vida", acabo de confirmar o que meu amigo Amir Amedi me vem dizendo, há uns tempos: que o cérebro tem uma organização que ultrapassa uma experiência sensorial concreta e que o objectivo é o reconhecimento de um corpo humano, independentemente de qual seja o sentido que proporciona essa informação… Ei, ei, ei, interrompi, eu ainda nem consegui abrir os olhos, nem sei qual é a mensagem, e já esta conversa se alonga pelos saberes de mais um seu amigo, não lhe parece que está novamente a passar dos limites? Claro que não estou a ultrapassar os limites e os seus ciúmes não têm sentido, respondeu de voz solta; estou sim, deliciada e entorpecida, a ver a imagem que o seu cérebro está a fazer de mim (inteirinha), de mim que também sou humana (ui, ui, ui!): o meu corpo ânfora, a minha silhueta curvilínea, a minha postura elegante, a minha franja (ai a minha franja!), a curva da boca, o redor dos olhos, as narinas do nariz arrebitado, o meu calcanhar e a saliência do dedo grande do pé direito (olha as minhas unhas pintadas de carmim!), são uma paisagem sonora tão agradável, que maravilha! Tudo isto é um sonho, matutei de mim para comigo, só pode ser um sonho, ainda que muito bonito, ela está comigo, não sei como, mas está... Mas ela, imparável, continuava..., que cores lindas atapetam e embelezam a minha paisagem sonora: a minha voz é branco, a trompeta o azul, o órgão o roxo, o violino o amarelo, o negro o silêncio...; o Amir tem razão, tem razão quando diz que é possível (eu já acredito, eu já sei!) ver com os ouvidos (o estudo sobre os cegos de nascimento está certo)...; eu consigo ver a paisagem que o seu cérebro, sem me ver, sentindo as minhas mãos e ouvindo a minha voz, construiu... Que vaidosa que estou! Até musicalmente sou tão bonita! Voltei-me na cama, na tentativa de interromper um sonho tão estranho (eu até sentia os seus olhos bogalhados a tremeluzir): então, pensei, eu sonho que oiço a voz dela e transformo o que oiço numa paisagem sonora que é ela; e ela é que se vê, a si própria, na paisagem sonora que o meu cérebro construiu dela? Olálá, adverti-me, já alguns maduros, por muito menos, conseguiram um cartão de consulta periódica em hospitais psiquiátricos de referência..., cuida de ti, olha que ela até já pensa que tu és uma espécie estranha de cego de nascimento, põe-te a pau! Deixe-se de tolices, essa do pôr-se a pau tem mesmo conotação freudiana, invectivou-me; sabe bem que sou eu que estou aqui junto de si, ora diga lá que não se ajeita a todo o momento, como um cego de nascimento, para que as minhas mãos lindas possam vadiar por onde lhes apetece, vá diga lá que não se sente inchado, feliz, satisfeito! É teimoso que nem um jerico em dia de se espojar na poeira, escangalhou-se a rir, mas se se encontrar comigo num dia desta semana (ou da próxima), eu explico-lhe melhor o sentido da mensagem que aqui me trouxe e saberá que aquilo que digo é verdade; já não tenho pinga de dúvida que a mensagem era para si, e que só por um feliz acaso veio ter comigo...; aí a tem, palpitante, interrogada e exclamativa: “Quer enfrentar algo? Então dê um passo na escuridão!”

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