Mas..., estava muito preocupada e queria a lua por perto, porquê?

Nem lhe digo, nem lhe conto o quanto me sinto cansada hoje, cansada mesmo, com dor de cabeça, muito preocupada e tenho saudades que a lua desça até mim… Que se terá passado, perguntei-me, à medida que olhava de soslaio a única fada que nunca se cansa; estava bonita e aflita e de pés soltos à procura de uns chinelos maneirinhos. Acontece, não faça caso, dei por mim a dizer-lhe de levezinho, não fosse a minha voz agravar a sua dor de cabeça. Suponho que nem me terá ouvido porque, aninhando-se no meu sofá branco, soliloquiava ensonada: aquele David Jou tem o dom de me deixar de franja à banda; está convencido que o cérebro e o universo são duas cosmologias muito cópias-idênticas; e, muito preocupado com as ligações entre a ciência e a fé (onde é que terei guardado aqueles quatro poemas que ele me enviou?), quer falar comigo sobre estes assuntos..., e eu não tenho nem tempo (nem paciência) para escorregar no tempo e, num olhar para trás através do caos originário, rememoriar o crescimento, a simplicidade e a plenitude a vida. Atrevi-me, interessado e curioso, a interromper o seu solilóquio para lhe perguntar se achava que a ciência nos poderia dar uma explicação para a existência de Deus... Olha-me este, sussurrou, armado em David poeta da espiritualidade da ciência! Meu caro, continuou de olhos sonolentos em reservatório de brilho e pestanas abatidas, a ciência não serve para falar de Deus; serve, isso sim, para falar do mundo (sabe que eu adoro a redondez do mundo para espreitar a vida?). Deixou cair um sorriso preso em travessura do sono, e continuou: a ciência dedica a sua atenção a fenómenos que se produzem no espaço e no tempo..., e Deus é uma existência misteriosa para além do espaço e do tempo. Mas as leis da natureza, gaguejei em ternura, não foram criadas por Deus? Linda (sempre linda) e já a dormir, não ouviu a minha pergunta. Aconcheguei-lhe o meu cobertor de lã merina, demorei as minhas mãos amigadas no seu rosto e preparava-me para lhe dar um beijo de boa noite, quando ouvi a sua voz límpida, atropelando-se a si própria em trejeito de timidez: no fundamento das leis que ordenam, organizam e dinamizam o mundo mora uma presença transcendente... Não tenho sono, fico aqui perto dela, pensei comigo, bebo um chá de limão com bolos de canela ao desafio, leio umas páginas do "Cerebro y Universo" de David Jou, e olho para ela em absoluto silêncio... Eureca, descobri, ela é cérebro e universo juntos, ouvi-me exclamar, e nela (tenho agora a certeza) está contida a origem de cada coisa e de tudo, a virtude, a beleza, a simplicidade, os germes de tudo: forma, qualidade, vida, humanidade, linguagem, pensamento. Mas..., estava muito preocupada e queria a lua por perto, porquê?

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