Descendente de tubarão é que não, meu caro!

Está tudo bem, óptimo, um beijo, um dia destes, às horas que eu decidir, estarei aqui consigo! Assim se despedia, ar zangado e franja à banda, a única fada que em dias de chuva manda vir o sol quando lhe apetece…; apenas, pasme-se, porque eu (cheio de sono) não lhe tinha dado a atenção merecida… Olhei a sua zangada expressão facial (a tentar comunicar-me sentimentos contraditórios), e pedi-lhe desculpa com bons modos... Tudo bem, respondeu, desculpo; mas sempre lhe digo que o desculpo (e que vou ficar) porque tocou em algo muito sensível: a miríade das minhas fantásticas expressões faciais, que utilizo nas interacções sociais sempre que me dá jeito. A este propósito, acrescentou, sabe qual a diferença entre os humanos e os tubarões? Ei, ei, ei, interrompi, estou mortinho de sono, perguntas destas acabam comigo, tenha dó! Linda e vaidosa suspirou e, gaguejando, disse-me que ambos (os tubarões e os humanos) têm os olhos por cima do nariz e o nariz por cima da boca para efeitos de alimentação, e ambos (e todos os outros mamíferos, frisou) também utilizam o rosto para comunicar... Só me faltava esta, desabafei... Se esta sou eu, disparou, passe bem, até um dia destes. Nada disso, apressei-me a ripostar, nada disso, apenas quis dizer que a diferença entre tubarões e humanos é tão grande (tão grande) que a sua comparação me assustou; não será que se estava a referir a diferenças entre primatas, os mamíferos que, de facto, têm mais semelhanças na comunicação facial... Bem observado, meu caro, adiantemos então esta conversa, assentiu. A minha amiga Anne Burrows demonstrou que existem traços que separam as expressões faciais dos humanos (medo, felicidade, tristeza, ira), relativamente a outros primatas, sabe quais?! Claro que não sabe, claro que não... Vamos a uma explicação simples como convém a um dorminhoco incorrigível. Primeiro, os olhos: a íris está rodeada por uma esclerótica branca. Segundo: os lábios sobressaem no rosto e a sua cor é mais escura e intensa que a pele que os rodeia. Banzado com a sua sabedoria e o seu rosto lindo e expressivo, sentia-me vidrado e sem saber reagir, quando a ouvi rir e sussurrar: já percebi, os meus olhos e os meus lábios (e já agora o meu narizinho de narinas soltas) dão-lhe a volta ao seu miolo cerebral e sabe porquê? Disse miolo cerebral? Questionei. Disse, disse, claro que disse, retorquiu, e estava a brincar consigo; mas também falei em miolo cerebral porque o meu amigo paleoneurólogo Dean Falk estudou e comprovou que um hominídeo africano, há cerca de três milhões de anos, já tinha um região temporal maior que a de um símio; e, na opinião dele, foi essa ampliação que permitiu que os hominídeos  processassem com eficácia a informação facial... Só faltava, desabafei, que esta sua explicação tão detalhada (apenas porque processei bem a mensagem da sua expressão facial lindíssima e gaiteira: olhos, lábios e nariz em deliciosa conversa) fosse uma forma subliminar (e atrevida quanto baste) de me chamar descendente (em linha directa) de um hominídeo africano que viveu há mais de dois milhões de anos... Descendente de tubarão é que não, meu caro!  

Comentários

Mensagens populares