A propósito da reforma do sistema de acolhimento de crianças e jovens em perigo: quatro breves notas

Foi este o "discurso do Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social na cerimónia (com pompa e circunstância) de tomada de posse das duas comissões que vão rever o sistema de acolhimento de crianças e jovens em risco e a lei da adoção", no passado dia 5 deste mês de Fevereiro...
1.Uma leitura fina do discurso do senhor ministro não pode deixar de preocupar quem (e são muitos - pessoas e entidades, as mais diversas - e há muito tempo) pensa e age (alguns militantemente) e escreva "em favor da promoção e protecção dos direitos das crianças e dos jovens"; e esta preocupação faz todo o sentido e é legítima.
2.Faz todo o sentido e é legítima por três principais ordens de razões: a primeira porque não é aceitável que, nem uma vez sequer durante todo o discurso, se aborde a necessidade de criar, em Portugal, uma entidade independente para a promoção e a defesa dos direitos das crianças e jovens em Portugal, à semelhança do que acontece em muitos países (e regiões autónomas) da União Europeia (aqui aqui e aqui, por exemplo)..., e realce-se que, também no discurso, não há uma referência directa ao Provedor de Justiça de Portugal, a quem por lei estão cometidas funções de promoção e defesa  dos direitos das crianças e dos jovens; a segunda porque alguns erros conceptuais deveriam ter sido evitados; erros que revelam (no mínimo) pouco rigor na aproximação à qualidade e ao bem estar das crianças e dos jovens mais vulneráveis, a título de exemplo: o que existe é um sistema de acolhimento de crianças e jovens em perigo e não existe uma comissão nacional de protecção de crianças e jovens em perigo; a terceira porque (dada a existência de um vasto acervo de dados sobre o (sofrível) funcionamento das comissões de protecção de crianças e jovens) teria sido possível alargar em qualidade os três parágrafos específicos (um deles com erro de sintaxe) que se referem às CPCJ (comissões de protecção de crianças e jovens).
3.Acresce... Mas será que os senhores assessores do senhor ministro, nunca ouviram falar na Convenção dos Direitos da Criança? Se sim, então não sabem que nos termos da Convenção o termo Criança engloba crianças e jovens até aos 18 anos de idade (até aos 21 anos em casos excepcionais)..., e não sabem que a promoção e a protecção dos direitos não tem a ver com o alargamento da escolaridade obrigatória? (Como entender que se afirme "tradicionalmente tínhamos grupos que não estavam na esfera da protecção das crianças de crianças e jovens em risco"? Quais?!). Também não sabem que a expressão consensualizada (por demais discutida e divulgada) se diz "o superior interesse da criança" e não "o supremo interesse da criança"? E será que ainda pensam que a promoção e protecção das crianças e jovens em risco e em perigo, é primeira responsabilidade do sistema de justiça, será que ainda pensam? E não teria sido possível ter incluído no discurso uma referência explícita às crianças e aos jovens em acolhimento? Será que não são as crianças e os jovens e as suas famílias a razão de ser do sistema de acolhimento, será que não? 
4.Finalmente, torna-se um pouco difícil descortinar a força deste tipo de incentivos: "Queremos que Portugal seja um exemplo!" e "Queremos que Portugal esteja na vanguarda desta temática"... A propósito: quando é que, em Portugal, há coragem para discutir um tema como este? Aguardemos, serenamente, "as ideias e projetos resultantes do consenso gerado e da vontade desenhada"... Para ver e para crer, como São Tomé!

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