Roupa nova no passeio, roupa velha no almoço

Acontece. Este ano o Natal está ventoso, frio e molhado, horrível, meu caro. Assim se expressou, ainda a madrugada se ajeitava nos cobertores, a única fada que se diverte em conversas com Deus. Essa sua maneira de olhar para o tempo, interrompi-a, deixa de fora a constatação de que o vento é bom para produzir energia eólica e que a chuva é boa para a agricultura; e até (quem sabe) o vento e a chuva juntos e com o sol a fazer negaças podem convidar a um passeio, expondo ao mundo a roupa nova do sapatinho de ontem à noite. Boa ideia, essa do passeio (hoje não me quero preocupar nem com a energia nem com a agricultura)..., vou exercitar os músculos das pernas e cheirar a terra molhada, vou mostrar as minhas botas fabulásticas, vou provocar quem passa com o meu casaco verde-limo e a minha boina do frio, e vou esmoer um excesso (zinho) de comida, respondeu-me divertida e saltitante. Atenção às horas, recordei-a, não esqueça a obrigação do almoço de Natal com peru recheado e rabanadas e sonhos à solta. Obrigada, obrigada, obrigada, por meter recordado os meus deveres de anfitriã acolhedora e sensível, claro que não me vou esquecer da hora do almoço, que não é peru recheado, disse enquanto me desafiava: imagina o que eu já preparei antes de o ter acordado a si, a quem até a chuva faz sono? O almoço não é peru recheado? Só assim consegui, curioso, ripostar. Dei-lhe um mote e ela não se fez de novas nem rogada, discorrendo enigmática: com a agrura do tempo e não tendo conseguido vadiar pelo universo fora (como eu gosto de viajar no tempo), optei por guardar e reciclar alguns restos de comida da consoada combatendo o desperdício; e hoje, dia de Natal, o almoço vai ser um prato delicioso (de repetir e repetir e repetir e pedir mais)… E, trauteou, feliz e divertida, num "Jingle Bells" afinado em voz bonita, límpida e híbrida de natureza e amor: roupa nova no passeio, roupa velha no almoço.

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