S. Leonardo da Galafura


À proa dum navio de penedos, 
A navegar num doce mar de mosto, 
Capitão no seu posto 
De comando, 
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade, 
Sem pressa de chegar ao seu destino. 
Ancorado e feliz no cais humano, 
É num antecipado desengano
Que ruma em direcção ao cais divino. 

Lá não terá socalcos 
Nem vinhedos
Na menina dos olhos deslumbrados; 
Doiros desaguados 
Serão charcos de luz 
Envelhecida; 
Rasos, todos os montes 
Deixarão prolongar os horizontes 
Até onde se extinga a cor da vida. 

Por isso, é devagar que se aproxima 
Da bem-aventurança. 
É lentamente que o rabelo avança 
Debaixo dos seus pés de marinheiro. 
E cada hora a mais que gasta no caminho 
É um sorvo a mais de cheiro 
A terra e a rosmaninho!

(Miguel Torga, in Diário IX)

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