Leanor e Leonor: Camões e Gedeão
Luís de Camões - Olá! Eu sou Luís de Camões e ouvi dizer por
aí que andaste a imitar um poema meu que falava sobre a minha bela Leanor. E
como se não bastasse transformaste-a numa figura horrorosa, que mais parecia
ter saído de um bordel. Nunca ouviste falar nos Direitos de Autor?
António Gedeão -
Acalme-se homem. Em primeiro lugar eu não imitei o seu poema. Eu só me baseei
nele para escrever um poema mais moderno, que as pessoas desta época possam
perceber. Além disso a minha Leonor é muito digna. Vesti-a com a roupa que se
utiliza hoje em dia, porque se a descrevesse como o senhor o fez não
entenderiam a sua beleza e ainda podiam pensar que ela tinha saído de um
convento.
Luís de Camões - Quer então dizer que eu não sou bom escritor
e que não descrevi Leanor correctamente? Era o que faltava. Eu nem tinha ouvido
falar nas peças de vestuário mencionadas no seu texto.
António Gedeão -
Pelo contrário. Considero-o um excelente escritor e para mim é uma honra poder
falar consigo. Acho que descreveu muito bem a sua Leanor e todas as situações
do poema. Mas tem de compreender que o tempo passou e com ele mudaram os
costumes, a fala, o vestuário e muitas outras coisas.
Luís de Camões - Talvez tenha razão. Até acho o seu poema
bom, embora não o compreenda bem.
António Gedeão -
Como já referi, agora, o uso da linguagem é outro. A maior parte das pessoas
não compreendem o meu poema quanto mais o seu que já foi escrito há alguns
séculos.
Luís de Camões - Pois é. Já no meu tempo era assim. As
pessoas começam a ler, não percebem a primeira estrofe, põem o poema de lado e
não se dão ao trabalho de o tentar compreender. Há uma coisa que não percebo.
Porque é que a sua Leonor anda de motoreta? (não faço ideia do que isso é).
Agora já não é costume as pessoas andarem a pé?
António Gedeão -
Claro que andamos a pé. Só que já não é hábito, irmos buscar água à fonte,
porque temos água canalizada. Por isso decidi descreve-la a ir de motoreta para
a praia.
Luís de Camões - Se formos a ver, o tema do seu poema
afasta-se um pouco do meu. O meu poema fala de uma Leonor humilde, que me atrai
devido à sua beleza simples e que aos meus olhos é a mulher mais bonita na face
da terra.
António Gedeão -
Quanto a mim, no meu poema, descrevo-a como uma mulher sedutora e provocadora
que deixa toda a gente a olhar para a ela por onde quer que passe. Mas devo
confessar-lhe que a sua Leanor me agrada mais.
Luís de Camões - Afinal ainda existem bons poetas. Tenho de
ir embora. Ando a ver se consigo escrever mais algum poema, mas a idade não
perdoa. Espero que tenha uma obra muito vasta. Gostei de o conhecer.
(Texto inserido num "Guião de Educação do Consumidor", p.23)
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