Aprender com os outros não é transplantar modelos
Jouni Valijarvi é finlandês e investigador em educação. Concedeu (em 2011) uma entrevista (que abaixo se transcreve na íntegra -sem os sublinhados-) à jornalista Catarina Gomes do jornal "Público"... Conhecer como funcionam outros sistemas educativos, é um bom ponto de partida para pensar o actual sistema educativo português;
- aposta-se que assim é!
Defende que um dos segredos do sucesso
finlandês é a qualidade do ensino primário. Por que é que os professores da
primária têm tanta popularidade?
Tem muito a ver com a nossa história. A
Finlândia só é independente há 100 anos e os professores primários eram colocados
por todo o país para espalhar a identidade nacional. É umas razões que explicam
uma popularidade tão alta. Ser professor primário é tão prestigiado como ser médico
ou advogado: os pais querem que os filhos sejam professores primários e, quando
perguntam aos miúdos que acabaram o secundário que carreira querem seguir, a
profissão surge nos dois primeiros lugares. E muitos dos que têm essa ambição
não a conseguem alcançar, porque é muito difícil entrar para o curso.
A popularidade estende-se aos
professores do secundário?
Depende das áreas. No secundário, muitas
vezes ir para professor não é uma primeira escolha, é um recurso, e isso tem
reflexos na motivação dos professores e na aprendizagem.
Por que é que ser professor primário é
tão apelativo?
Uma das coisas mais importantes é a
autonomia, em que cada professor organiza o trabalho como entende, por isso a
questão da avaliação é muito sensível. As aulas estão muito fechadas sobre si
mesmas, o que é uma força do sistema mas também uma fraqueza. Mas o facto é que
os pais confiam nos professores e nas escolas.
Na Finlândia, o ensino primário
prolonga-se por seis anos, as crianças ficam durante este período com o mesmo
professor. Isso é importante?
Sim, é a base de tudo. Costuma ser um
professor que trabalha com eles ao longo dos seis anos, mas há escolas que
dividem os anos por dois professores e pode haver outros professores que ajudam
nalgumas matérias, por exemplo, em Matemática ou Desporto. Fica ao critério da
escola.
Os poucos chumbos que existem são na
primária...
Analisando os alunos do 9.º ano, constata-se
que só 2,6 por cento chumbaram e a grande maioria foi na primária. É mais
eficaz reter um aluno um ano no início do que este ter que repetir um ano mais
tarde, porque é uma altura em que estão a ser dadas as bases. Os professores
finlandeses têm expectativas muito altas em termos académicos, incluindo os
primários, mais até do que noutros países nórdicos. Por exemplo, na Dinamarca o
ensino está mais centrado no bem-estar e felicidade das crianças do que nos
resultados académicos. O modelo finlandês mistura os dois factores, preocupa-se
com a felicidade e com a parte cognitiva, o que se traduz na aquisição de
certos níveis na Escrita, Leitura e Matemática, algo que também já é importante
na pré-primária.
O que faz com que um professor seja bom?
Perguntámos isso a alunos e concluímos
que é quando sentem que percebe do tema que ensina e também, e este aspecto é
interessante, quando sentem que se interessa por eles e está disposto a ter conversas
que lhes dizem algo e que não têm necessariamente a ver com a cadeira que lecciona.
Questões como a sexualidade?
Sim, mas também quando o professor os
ajuda a escolher o caminho que vão seguir, que está disposto a discutir com
eles o porquê das suas escolhas.
As escolas finlandesas têm turmas
pequenas. Este poderá ser outro factor de sucesso?
São pequenas e os professores defendem
que devem ser ainda mais pequenas. Eu sou céptico em relação à utilidade de
reduzir as turmas. Actualmente, na primária, em média, temos 21 alunos por turma,
no secundário 19. Eu acho que não é possível chegar a um número óptimo, que a
dimensão das turmas deve depender dos alunos, do que se ensina. Até porque ter
turmas mais pequenas significa ter mais professores e isso implica aumentar
gastos. Penso que o dinheiro pode ser usado para criar mais apoios de acordo
com o contexto de cada escola: há escolas em que 15 por cento são imigrantes.
Uma das conclusões da OCDE é a de que
pagar bem a professores resulta em melhores resultados, porque aumenta a sua motivação.
Até certo nível. O importante, são as
condições de trabalho como um todo, o salário é um sinal. O mais importante é
os professores sentirem que, quando têm dificuldades, não estão sozinhos, o que
não é o caso em muitos países.
A Finlândia é um dos países onde se
passa menos tempo na escola.
Quando se está na escola está-se
concentrado na escola, quando se sai vai-se fazer outras coisas, são tempos
perfeitamente separados. Na Coreia [outro país bem classificado no PISA], os alunos
levantam-se às 06h00 e voltam a casa às 21h00, e ainda têm que fazer trabalhos
de casa. Para estes jovens, a escola e a educação são tudo na vida. Os
finlandeses, entre tempo na escola e trabalhos de casa, passam um total de 30
horas por semana, face a 50 horas da Coreia.
Moral da história?
A forma como os países conseguem bons
resultados é completamente diferente. Esse é o reverso da medalha destes
estudos internacionais que incentivam a imitação. Os países podem aprender uns
com os outros, mas tem que se ter muito cuidado em transplantar modelos.
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