Indignação enfadada

Pois é, caríssimo, a sua afirmação “Portugal é mesmo muito bom nas coisas muito más”, deixou-me de franja embandeirada e solta, lá na minha varanda de vasos bonitos, e com saudades de um céu estrelado; não posso estar mais de acordo consigo, atirou-me de chofre a única fada que está sempre atenta, oferecendo-me um olhar. Sem se conseguir conter, continuou dizendo, algo atabalhoadamente, "que eles estão a fazer tudo o que querem e que o povo assiste impávido e sereno; que já tinha acabado a separação de poderes e que a classe política era corrupta e que não merecia qualquer crédito; que ninguém confia nos tribunais e nas forças de segurança e que até a lei fundamental do país deixou de ser cumprida". Alto lá, tive que a interromper: eu não sabia dessa sua preocupação com Portugal; escolheu a nacionalidade portuguesa e não me disse nada? A resposta não se fez esperar, corrosiva, fina mas amarga: não respondo a provocações, sou cidadã dos países que escolho, vivo em Portugal por sua causa e nem sei se fiz bem (e não se envaideça, posso ainda arrepender-me). Amochei a garimpa, engoli em seco e… Vá lá, deixe-se de calimerices, eu não estou zangada consigo, soprou-me de mansinho no meu ouvido-mouco que há uma semana se embrulhou com uma otite mesquinha. Estou é desolada, muito desolada..., imagine só a quantidade de gente reles (muito reles) com ideias-anedotas e apatetadas, gente que mente e pulula nos corredores do poder…, só me apetece ir aos fagotes a alguns deles (e com aquela sonsinha impune, ainda me passo dos carretos, ai passo, passo). Não se admire, advertiu-me, se um dia destes começarem a vender (em saldo como convém) partes do território de Portugal, como fizeram e estão a fazer com sectores fundamentais da economia e pilares da soberania portuguesa, acocorocando-se, venerandos e bajuladores, perante as fuças vaidosas de um capitalismo selvagem... Estou agora a recordar-me da Simone de Beauvoir que, num chá de fim de tarde, me dizia que "é horrível assistir à agonia de uma esperança", como eu a entendo! Vendo os seus olhos grandes a faiscar, ouvintes, tristes e inquietos à proa de um rosto lindo de morrer, sugeri que não levasse tanto a peito a sua indignação porque o povo português já deu provas que sabe reagir… Esse é que é o problema, ripostou. O povo português parece estar em extinção (e olhe que em democracia é o povo que manda), tendo em conta a indiferença e a falta de união e solidariedade entre portugueses…, e, depois, é um povo que ri por tudo, por nada e a tudo acha graça, sem que a vida e o destino lhe dêem travessia para o lado bom da vida. Quando eu decidi dar (e dei com inteligência e com arrojo e com firmeza) um sinal de que se devia iniciar a quarta república (a terceira já lá vai rio tejo abaixo), ninguém ligou e todos se riram quais patetas alegres... Deu um sinal, quando? Provoquei. Ora essa, perguntou-me já mais calma e em jeito de resposta oracular: não se lembra da bandeira portuguesa a ser içada ao contrário?! Ah, se quiser ir às próximas manifestações, diga-me, sempre me fazia companhia, caminhando como testemunha da indignação...; e na luta, determinada e sem tréguas, pela DI-GNI-DA-DE.... Senti-me e sorri-me!

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