Mora o quê, quem?! Um quiasma?!
Já a manhã ia longa
quando a excelente e única fada, nascida numa estrela há muitos, (muitos anos),
se aproximou de mim de olhos felinos, ouvintes e bogalhados no jeito de quem tinha dormido até
tarde. Olhei-a, fixamente, como quem olha e espera notícias num atalho musical de uma música que nos agrada, apreciando de soslaio as suaves linhas do seu corpo ainda por acordar. Abanou a cabeça, riu um pouco, depois sorriu muito divertida, cedendo transparências - tudo de uma
maneira que comunicava ao meu corpo que ela estava bem - e, suspirou com aquele assomo de fada guicha: as coisas que eu descubro! Não nego que quando ela se aproxima de
mim, deixo de pensar e sinto um arrepio aflito que me desertifica; falo pouco ou
nada, mas o grande perigo é que ela adivinha quase sempre o que eu penso. Eu
gosto de aprender, ouvi-me dizer…, quer
levantar, um pouquinho que seja, o véu da sua descoberta? É algo que tem a ver
consigo, respondeu feliz. Mas antes,
provocou-me, tenha presente que a
diversidade dos meus sistemas sensoriais (e a sua convergência espontânea nas
coisas que encontro) assegura uma interpenetração ou entrelaçamento entre o meu
corpo e outros corpos – é esta mágica participação que me permite sentir o que os
outros sentem. Muito bem, interrompi-a,
vamos então à sua descoberta. Não se fez de achada, empertigou-se e num tom que
eu bem conheço, disparou num
castelhano perfeito: “andábamos sin
buscar-nos, pero sabendo que andábamos para encontrar-nos”. Foi nesta
belíssima frase do meu excelente amigo Julio Córtazar, meu caro, que descobri uma
magia particularmente ubíqua e nela me embebi do essencial, concluiu.
Não pude deixar de comentar com ela que também eu já tinha descoberto algo
parecido; e, com algum arrojo, resolvi dizer-lhe que quanto mais me
demoro junto dela, tanto mais me vejo frente a frente com uma inteligência fora
do normal, com um centro de experiência doce e milenar. Eu espreitava a sua franja (qual andorinha de seda em voo picado) a perder-se no seu sorriso embevecido…; e ela sussurrou, ardilhada de agradável sensibilidade e quase comovida:
entre mim e si mora um quiasma
enriquecido, é nele que as nossas almas se cruzam e entrelaçam no lado certo da vida. Mora o quê, quem?! Um
quiasma?!
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