Solilóquio de fada-sim
Eu sou uma fada com olhos grandes de gato siamês de
pêlo macio. Oscilo e flutuo nas pontas dos meus pés maneirinhos e estou sempre
atenta a sons distantes, sons para além do alcance dos ouvidos humanos,
espelhados em barras de música de 48 segundos; também vejo coisas que são,
desde tempos imemoriais, para além dos olhos, e vivo ainda cheia das memórias
dos sinos da minha Atlântida. Recordo-me que, meses após o meu nascimento,
passei a dormir abaixo do nível das tempestades. Dentro das cores e da música
movia-me, de mãos livres, delgadas e
soltas, como dentro de um diamante- mar… Lembro-me (ah como eu me
lembro!) como sentia a carícia de me mover absorvida e perdida num outro
alguém, adorado e meu, embalada pelo ritmo da água, pela lenta palpitação dos meus sentidos apurados, pelo
deslizar de seda suave e colorida do oriente. Eis porque posso afirmar que sei amar e amar e
amar, movendo-me sem esforço numa corrente de emoções e de desejo à flor da
pele, e respirando afogueada e a tremer agitada, num êxtase de uma dissolução
ácido-doce. Depois ainda refeita, cada gesto meigo em movimentos rítmicos,
acelera-me o ritmo do sangue e incita a um canto trauteado como o canto do meu
coração de vidro… De há uns tempos a esta parte, passo a vida a dizer a esse
meu-alguém-adorado que deve praticar mais e pensar menos; oxalá ele perceba
(nos vestígios de cheiros de espuma e de perfume) que há olhos, mãos e sentidos que só eu tenho…, vou agora escrever-lhe
um postal com pólen e mel.
Comentários
Enviar um comentário