Tudo o que é bom acaba sempre, que chatice!

Era manhã cedinho e lilás… Batia o sol na janela de guilhotina, onde repousavam um pão e duas maçãs numa cesta de verga. Sem se fazer anunciar (o que é costume, diga-se), uma fada fina e esbelta (a minha, é óbvio) sussurrou com um ar de praia serena salgada e gestos perfeitos na luz dum instante: de manhã acordo-o, à noite trago-o comigo; em todas as ruas o encontro, em todas as ruas o perco. Assustado (o meu olhar descia e subia como um íman), tive que engolir uma resposta a seco e rapinei uma maçã farinhenta da cesta enquanto lhe dizia que estava surpreendido com a sua provocação. Ela não se ficou por ali e continuou dizendo que hoje era o seu último dia de férias e que me convidava para irmos ver o pôr-do-sol. Disse mais e com as mãos náufragas. Disse que tinha três frases-mistério para eu descodificar. Embalado e num sorriso ansiado, perguntei a mim próprio se alguém poderia recusar um convite a uma fada com uns olhos grandes como os dela…, mas a vontade de conhecer as frases-mistério deixou-me “em pulgas”; e disse que sim, disse que iria com ela ver o sol deitar-se no mar mas que gostaria de conhecer as frases mistério. Corada e afoita (será que ela adivinhou o que eu estava a pensar e não me atrevia a dizer-lhe?) não esteve com meias medidas e, em voz de quietude, dizendo que a obsessão de cego é a vontade de ver, ditou as três frases-mistério embrulhadas num divertido sorriso-matreiro: e as nossas mãos brincavam com o lume, à beira da impaciência ou do ciúme; o corpo é praia, a boca é nascente; sente no seu, outro corpo que tacteia. Apreciando no seu rosto uma malícia esplêndida (ela é formosa e segura quando a sua alma vibra!), extasiava-me com os poros da alegria a regressar na minha memória; e eis que o despertador avariado (que estúpido, que cretino, que inútil) me acordou cedo e sem um nem mais nem menos. Raios o partam, estou fulo… Tudo o que é bom acaba sempre, que chatice!

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