Carta para entregar a Charles Darwin, cientista inglês do século XIX (1)

Comillas, 8 de Agosto de 2004

Querido Carlos!
Tenho que dizer-te que, muito antes de saber de ti, desde pequeno, a minha intuição dizia-me, ao observar o mundo, que devia existir um parentesco entre os diversos tipos de seres vivos. Era uma intuição vaga, latente, mas nem por isso menos certa. Não me recordo bem de quando soube de ti, da tua viagem no Beagle e da Origem das Espécies. Não foi algo em simultâneo. Pouco a pouco fui sabendo mais e mais coisas sobre ti, e em nenhum momento tive qualquer sensação de estranheza perante a tua teoria da evolução. Pelo contrário, quanto melhor a conhecia, mais me dava conta de que isso era o que eu, de uma forma vaga, havia intuído. O que me admirava é que houvesse pessoas que “rasgassem as vestes” perante a tua teoria. Eram-me estranhos e raiando a indignação os argumentos ad hominem que esgrimiam aqueles que se opunham com “unhas e dentes” à tua teoria. “Se tu acreditas – chegaram a dizer-me – que descendemos do macaco, vai ver os teus parentes ao jardim zoológico”. Ridículo, pensava. Nem tu dizias que descendíamos do macaco nem me parece mais indigno descender das famílias dos primatas que do barro, sempre que por detrás da matéria- prima esteja a mão do Criador. E é disto, precisamente, que quero falar contigo.
Tu sabes da minha fé católica, mas nunca tive qualquer dificuldade esta fé com a tua teoria. Sempre acreditei que Deus criou o corpo do ser humano, mas o cinzel que utilizou para lhe dar forma bem pode ser o conjunto das leis da evolução que Ele desenhou e que tu descobriste na natureza. Acredito no sentido literal do livro do “Génesis”, ressalvando que literal não quer dizer “à letra”. O relato da criação não é mitológico. Deus realmente criou o universo, criou-o bom, criou-o no tempo, e criou-o sequencialmente, quero dizer, criou umas coisas a partir de outras e colocou o ser humano no cume da sua criação. Isto é a literalidade; mas não o tomemos “à letra”.
Deus não modelou o corpo do ser humano com as suas mãos, uma vez que Deus não tem mãos. Criou-o a partir da terra que, em definitivo, é o que são as diversas espécies de animais. Modelou-o com a sua vontade todo-poderosa, foi a sua causa primeira. Porém usou, como para quase tudo o que faz, causas intermédias; e estas bem podem ser as leis da evolução, desenhadas e supervisionadas por Ele. Esta distinção entre literal e “à letra” não é minha, eu não me atreveria a fazê-la. Quem a faz é São Tomás de Aquino, na “Suma de Teologia”:
“O sentido que propõe o autor (das Escrituras) é o sentido literal. Como o autor das Sagradas Escrituras é Deus, que tem conhecimento de tudo ao mesmo tempo, não há inconveniente que o sentido literal de um texto da Escritura tenha vários sentidos (…). Este último significado corresponde ao sentido espiritual, que supõe o literal, e no qual de fundamenta”. “Por exemplo, quando a Escritura fala do braço de Deus, o sentido literal não está dizendo que Deus tenha um braço, no sentido corporal, mas sim que (Deus tem um braço) enquanto força para agir, que o que o braço significa”.
Querido Carlos, ao aprofundar os mecanismos da tua teoria, a minha admiração por ti crescia.
(Continua...)

Uma carta de Tomás Alfaro Drake

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