Encontrei o gosto do café na chávena dela

Sim, reconheço que é verdade, disse-me com ar afogueado a minha sempre fada, enquanto, com as suas mãos mágicas, abria as janelas de guilhotina do meu quarto para deixar entrar a primeira luz da manhã. É verdade o quê? - Não consegui deixar de lhe perguntar ainda de olhos fechados, aceitando a dádiva de mais um dia mas escondendo preces. Meu caro atarantado mental de olhos papudos caídos e amador de vidas tontas, gaguejou ela sorrindo e pestanas a piscar, reconheço que é  verdade que eu encho as suas noites e os seus sonhos e reconheço que sou eu que lhe humedeço a sua memória em todos os momentos. Não era o que estava a pensar no seu sonho ensopado que eu acabo de interromper gratuitamente? - Questionou-me. Olha a grande novidade que me dá! A mim (garanto-lhe, não duvide!) que, quando não sonho consigo, durmo como quem esquece a vida longas horas e acorda no vazio da vida! - Ripostei, sentindo o rasto ecoado de um fresco e matinal orvalho de melancolia na sua voz delicada, embrulhado num cheirinho a café "Rainha Ginga". Estou deveras preocupada consigo, interrompeu-me sem cerimónia, com um sorriso despenteado e com uma elegante chávena de café na mão esquerda, acrescentando enigmaticamente que, neste mundo e em todos os momentos, se formos optimistas e se apostarmos na felicidade, se recomeça com pressa... Se recomeça com pressa, que quererá ela dizer? - Ouvi-me perguntar a mim próprio. A minha cara de espanto deve ter ficado tão estranha que ela rematou de supetão: percebeu ou tenho que fazer um desenho com linhas e pontos azuis que lhe mostre uma verdade doce como manga? Há que ser francamente sincero e deixar que ela diga quando e como escolher caminhos, pensei comigo, enquanto a sua chávena de café se aninhava redondinha na minha mão direita... E não é que, sabendo-me embebido do essencial, encontrei o gosto do café na chávena dela?! 

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