Democracia, limitação de mandatos e a incompatibilidade em funções públicas
Em Fevereiro passado, pronunciei-me aqui sobre a lei n.º 46/2005 que: "Estabelece limites à renovação sucessiva dos mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais". Mantendo (e partindo de) tudo o que escrevi nessa altura, continuei a interrogar-me sobre o facto de a "Assembleia da República Portuguesa", ter preferido assobiar para o lado sobre a aplicação da lei nas próximas eleições autárquicas (a decorrer em Setembro/Outubro de 2013), e, em vez de clarificar uma lei pela qual era responsável, deixava que a indefinição gerada com (anunciadas) novas candidaturas de autarcas que já completaram (ou estão em vias de completar) três mandatos sucessivos em órgãos executivos, provocasse a (justíssima) indignação de alguns cidadãos que decidiram recorrer aos tribunais... A minha interrogação (sobre o comportamento inusitado da "Assembleia da República Portuguesa") deixou-me, primeiro, com a certeza de que os interesses dos partidos se sobrepunham aos interesses do nosso regime democrático; não posso, no entanto, deixar de valorizar, pela positiva, a posição do partido socialista português que (na dúvida ou na certeza, não sei!), optou por se orientar pelo bom senso e deu orientações políticas no sentido correcto, ou seja, os candidatos do partido socialista que tivessem completado (ou completassem no fim do último mandato) três mandatos consecutivos em órgãos executivos autaárquicos, não poderiam recandidatar-se... Fez bem o partido socialista português em marcar a diferença, fez muito bem! Depois, entendi procurar explicações com fundamentos mais seguros... E aquela minha interrogação inicial, ganhou contornos e foros de indignação quando acedi a um documento (que aqui e aqui identifico na íntegra, em língua inglesa e em língua francesa, respectivamente, e de que, abaixo, transcrevo os últimos e significativos quatro números); acabei por constatar que teria havido mais que tempo e mais que fundamento para que os partidos pensassem no assunto e para que, na "Assembleia da República Portuguesa", se pudesse tomar uma decisão correcta, séria e atempada. Não o fizeram (conscientemente, o que é grave) porque não lhes interessava; e, se o fizessem, buliriam com interesses instalados que têm muito poder. Ponto final, parágrafo. Estranho (muito estranho e intrigante, também e deveras!) é o facto de não ter sido divulgado nem discutido (por quem de direito ou pela comunicação social), este bem interessante e fundamentado documento (traduzido para a nossa excelente língua portuguesa, é óbvio!)... Penso eu que, a partir de agora (se a indefinição e a confusão se mantiverem), os eleitores deixam de ter dúvidas: sabem, de certeza, em quem não devem votar. Ponto.
Eis, então, os quatro últimos números do documento identificado:
- em língua inglesa:
121. Incompatibility is
different from ineligibility. While ineligibility is defined as a principle
which prevents the holders of certain public or private functions from running
at parliamentary elections or elections for other levels of government,
incompatibility is a much broader principleand refers to the holders of
political functions who are already elected. Unlike ineligibility, incompatibility
does not prevent the election of the same person, nor does it influence the
legal quality of the election results.
122. Despite the permanent
controversy about the nature of representation, there is a general agreement
that the representative process is intrinsically linked to elections. Elections
are a conditio sine qua non of democracy, but democracy cannot be simply
reduced to competitive elections. In reality, elections are more of a “one –
way street’ than a “two-way street”: they do not always provide a real
opportunity for mutual influence between the government and the voters. The
limitation of mandates aims to strength democracy as does the incompatibility principle
between different political functions.
123. Democracy and
representation have been at the centre of the European public debate for years.
The on-going crisis of democracy and representation requires measures to extend
and increase the participatory rights of citizens, to establish new participatory
and deliberative structures and to strengthen independent supervisory
institutions so as to enhance political accountability and responsibility.
124. The Venice Commission
is ready to continue studying the issue of limitation of mandates with a view
of providing recommendations in this field.
- em língua francesa:
121.
L’incompatibilité est différente de l’inéligibilité. Alors que l’inéligibilité
est un principe qui empêche les titulaires de certaines fonctions publiques ou
privées de se présenter aux élections législatives ou aux scrutins concernant
d’autres niveaux politiques, l’incompatibilité est un concept bien plus large
concernant les titulaires de fonctions politiques qui ont déjà été élus. A la
différence de l’inéligibilité, l’incompatibilité n’empêche pas l’élection de la
même personne, ni n’influence la qualité juridique du résultat des élections.
122.
Malgré la controverse permanente sur la nature de la représentation, il existe
un consensus général sur le fait que le processus représentatif est
intrinsèquement lié aux élections. Les élections sont une condition sine qua
non de la démocratie, mais la démocratie ne peut pas être simplement réduite à
des élections compétitives. En réalité, les élections sont plutôt une route à sens
unique qu’une route à double sens : elles ne fournissent pas une réelle occasion
pour les autorités et les électeurs de s’influencer mutuellement. La limitation
des mandats vise à renforcer la démocratie, tout comme l’incompatibilité entre
les fonctions politiques.
123. La démocratie et la
représentation sont au cœur du débat public européen depuis de nombreuses
années. Face
à la crise actuelle de la démocratie et de la représentation, des mesures
doivent être prises pour étendre et développer les droits de participation des citoyens,
établir de nouvelles structures de participation et de délibération et
renforcer l’indépendance des autorités de contrôle de façon à promouvoir la
responsabilité politique et l’obligation de rendre des comptes dans ce domaine.
124.
La Commission de Venise est prête à continuer d’étudier la question de la
limitation des mandats dans la perspective de l’élaboration de recommandations
en la matière.
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