Crianças e jovens em risco (relatório 2012)

Com alguma pompa e com alguma circunstância vão sendo apresentados dados do relatório da actividade das comissões de protecção de crianças e jovens, referente ao ano de 2012. E, digo que vão sendo apresentados dados, não só porque vários responsáveis institucionais se foram pronunciando (para a comunicação social ouvir e espalhar quanto baste) mas também porque, até ao fim deste mês, estão calendarizadas mais reuniões de apresentação desse relatório a públicos específicos. Porém, é um relatório que apenas hoje ficou disponível para consulta pública, aqui no sítio da comissão nacional de protecção de crianças e jovens em risco. Curiosamente, ficou disponível hoje, dia 28 de Maio de 2013, dia em que, num programa televisivo em directo, o presidente da comissão nacional de protecção de crianças e jovens em risco (um homem bom, sério, culto e dedicado ((há muitos (muitos) anos)) à nobre missão de promover e defender os direitos das crianças e jovens em Portugal) foi afrontado com duras, diversas e diversificadas opiniões de portugueses muito "zangados" e não formatados (do Algarve a Trás-os-Montes); e, mesmo no final do programa, foi ainda confrontado pela jornalista com um dado aterrador e muito difícil de rebater naquele instante de tempo: 100% dos telespectadores do programa consideraram (via chamada telefónica) insuficiente o trabalho das comissões de protecção das crianças e jovens em risco.
Não é de admirar… Se folhearmos o relatório e lermos (com muita atenção e cuidado) a parte referente à actividade processual das comissões (páginas 75 a 157), ficaremos com uma leitura global da actividade das comissões entre o ano 2006 e o ano 2012 no que às crianças e jovens diz respeito. Desde logo, podemos apurar quatro dados interessantes e que merecem ser destacados. O primeiro, as entidades que tendencialmente mais identificam situações de crianças e jovens em risco, são as escolas e as entidades policiais (o que deve ser realçado para se entender a realidade social em mutação). O segundo, o número de crianças sinalizadas e acompanhadas entre os 0/5 anos (realce-se a sua caracterização etária e intercultural), é muito, mesmo muito, preocupante (trata-se de crianças numa idade importantíssima de crescimento e de desenvolvimento, com reflexos em toda a sua vida futura); aqui emerge com acuidade a necessidade de desencadear medidas de adopção (plena, restrita e co-adopção) ou de acolhimento familiar. O terceiro, o número de crianças com deficiência (sinalizadas e acompanhadas) é entendido, pensado e escrito numa perspectiva meramente quantitativa (o que não é aceitável, seja qual for a justificação que possa ser aduzida para tal facto). O quarto, merece ser realçado o facto de uma elevada (e muito bem) percentagem de crianças e jovens serem acompanhados através de medidas de prevenção em meio natural de vida.
Atente-se, agora, no  facto (ocasional ou intencional, não sei!) de alguém ter escolhido (referente ao ano 2012) o dado relacionado com o maior número de crianças/jovens sinalizados na faixa etária 15/21 anos (considere-se que, em casos excepcionais, a intervenção pode desenvolver-se até aos 21 anos de idade), com o objectivo de se destacar uma nova vertente de sinalização de jovens em risco; ((insistem (e insistem), que se relaciona com o alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos de escolaridade)); e, no entanto, apenas mostra a forma ligeira (e pouco pensada) com que se aborda este (novo, dizem sem razão!) fenómeno de crianças e jovens em risco.
Obviamente que assim não vale... Este dado revela, isso sim, a importância de uma escolaridade regular e de uma escolaridade alargada e conseguida (também é urgente olhar, com urgência e prioridade, para os dados referentes aos complicados níveis de escolaridade das crianças em situação de acolhimento institucional...), para que as crianças e os jovens, por via duma escolaridade alargada e bem sucedida, possam quebrar o ciclo de fragilidades em que nasceram ou em que foram envolvidos; a esta vertente de uma escolaridade alargada e bem sucedida (este sim é um dado muito relevante a ter em conta), dava-se uma muito pouca e uma não qualificada atenção (talvez, também por isso, faltem professores nas comissões restritas que conheçam e que saibam apontar e sugerir programas (diversificados e dirigidos) de enriquecimento cognitivo, a título de exemplo).
Depois de lermos todo relatório, podemos concluir, em três pinceladas, que:
- se considerarmos o número de crianças em risco  mais o número de crianças institucionalizadas, é bem mais seguro falarmos de um universo de cerca 100.000 crianças e jovens em situação de risco e de perigo em Portugal; situação de risco e de perigo em que as questões relacionadas com a pobreza e com a pobreza infantil (com tudo o que de negativo com elas está relacionado) têm um peso determinante; e questões muitíssimo agravadas com a actual crise social em que Portugal está mergulhado (o destaque vai para o desemprego e para os seus efeitos perversos na vida das famílias e das crianças, obviamente); 
- se atentarmos no número global de profissionais envolvidos na actividade das comissões (cerca de cinco mil), também sentiremos a sua dedicação, a sua disponibilidade e a sua vontade de bem fazer, mesmo quando as condições de trabalho logísticas e outras (de que também destaca o difícil acesso a formação específica) lhes são adversas ou mesmo muito adversas;
- se olharmos para os actuais e variados constrangimentos de funcionamento das comissões de protecção (também se retira do relatório a sua ainda muito fraca dinamização de redes locais de solidariedade), somos levados a concluir que este modelo de intervenção social que assenta nas comissões de protecção de crianças e jovens, carece, já há algum/muito tempo, de urgente (e segura e consistente) reformulação sistémica.
Bem sei que este relatório é importante e que devo felicitar todos quantos o tornaram possível, embora seja minha convicção que em relatórios futuros as crianças, os jovens e as famílias (e outras entidades) devem ser ouvidos e as suas opiniões consideradas; também sei que já foram anunciadas algumas medidas válidas, bem intencionadas e, algumas delas, até muito oportunas e bem delineadas...Mas será que respondem aos desafios do futuro (na perspectiva de enfrentar o futuro)? Duvido! A talhe de foice, será que já está disponível o resultado do trabalho deste grupo de personalidades? Finalmente, porque é que não existe um Provedor da Criança em Portugal? Alguém sabe?
Aditamento (02/06/2013)
Assim vamos, adiando e adiando, sempre adiando: mais duas comissões e mais 180 dias para estudar o que, há muito, devia estar estudado... Que sina!

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