Como quem colhe louros de epifania!
Estou de rastos e perdida de sono, meu caro, mas todos os
assuntos que tinha em mãos estão agendados e prontos, ouvi dizer, com ar de quem saboreia um minuto livre, a minha sempre
fada menina. Não acredito, respondi,
que uma fada se canse e muito menos num dia em que uma nesgazinha de Sol deu um
ar de graça e libertou o cantar dos pássaros. Claro que me canso, advertiu-me sem cerimónias, porque para
além de tudo o que eu tenho que pensar e fazer, ainda devo estar de olho em si que
é pitosga, não é sequer capaz de marcar uma consulta num oftalmologista e, talvez por isso, ainda não tenha entendido que a minha pele gosta de ser esculpida muitas vezes na vida porque há um concentrado de mundo em tudo o que eu sou. Eu
adivinhava, interrompi-a, que ia
sobrar para mim a responsabilidade por esse seu cansaço, não fico sequer
admirado. Mas devia, claro que devia ficar admirado, disse enquanto ajeitava a franja rebelde que lhe escondia os olhos
bogalhados de pérola. Porque eu adoro verter confissões intimistas consigo, preocupo-me e canso-me, martelou as palavras... Enquanto também me asseverava que tinha encontrado
uma forma de aliviar o cansaço e que eu gostaria de conhecer essa forma criativa. Vamos
a isso, sou todo ouvidos, gaguejei a
modos que incomodado com que iria ouvir. Garanto-lhe, disse ela, que a melhor forma de aliviar
o cansaço é inventar o que se tem de fazer ou dizer, em vez de reproduzir o que
os outros disseram ou fizeram. Sabe porque é que eu (e não se esqueça que sou
fada), enquanto estou a ler, seguro, entre os dentes, um lápis preto com ponta
de diamante? Claro que sei, interrompi-a com um meigo olhar de só-assim. Sei que gosta muito desse lápis (é um lápis que mais parece uma batuta) e sei que, dessa forma, a leitura lhe parece mais cómica e que isso se deve ao facto de a
leitura ser influenciada pelo sorriso que lhe aparece no rosto; até sei, continuei, que se nos sentarmos direitos
em vez de deixarmos cair os ombros, nos sentimos mais felizes. Que bela
encomenda ele me saiu, ouvi-a
murmurar, ao mesmo tempo que me perguntava, com voz melodiosa, se eu sabia a razão de ser desses
sentimentos. Claro que sei, aventurei-me, dizendo que esses sentimentos eram o resultado de o cérebro assumir que, se a
boca e a coluna o fazem, é porque, nesses momentos, estamos animados. Quer dizer-me, perguntou ela, que o cérebro também
interpreta as acções do corpo e constrói uma história à volta delas? Nem mais! –
Respondi com o ar inchado de um sapo concho. Estou de rastos, a criatura tomou conta da criadora, suspirou ela ao de leve, enquanto gesticulando (as mãos dela, maneirinhas, mais pareciam pêndulos soltos de sonho), sorria de mansinho com um olhar feito repouso...
Como quem colhe louros de epifania!
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