O sabor criativo do óleo de fígado de bacalhau


Tive, nos primeiros dias do mês de Fevereiro do ano passado, uma conversa bem interessante com Shelley Carson, disse-me baixinho como quem revela um segredo, a minha excelente e demasiado sensível fada. Dou-lhe uma castanha assada e um dedal de jeropiga, neste dia de São Martinho, se conseguir ter uma ideia, ainda que leve ou aproximada, do tema principal da nossa conversa. Olha a dificuldade! - Respondi de imediato, dizendo-lhe que só podiam ter falado de algo relacionado com criatividade, dado que Shelley Carson defende que existe uma determinada hereditariedade genética que predispõe os indivíduos para serem criativos. Meu caro intempestivo, interrompeu-me à medida que apanhava o cabelo e ajeitava a franja rebelde (o que, na minha opinião, lhe empresta um ar arrumadinho), aproximou-se do tema da nossa conversa; e, porque eu cumpro sempre o que prometo (o que nem sempre é o seu caso), aqui tem a castanha assada já sem casca (que mania eu tenho de o mimar, ouvi-a desabafar!) e os dois dedos de jeropiga caseira. Ou me engano muito, murmurei, ou o tema da vossa conversa foi algo que tem a ver com alguma incapacidade minha. E penso assim, continuei dizendo, porque o seu excesso de deferência para comigo, bem como o seu ar arrumadinho me deixaram desconfiado; e, disse-lhe ainda que quando sinto um mosquito a fazer bzzz atrás da minha orelha esquerda, raramente me engano. Não. Não se enganou, meu caro! – Afirmou com ar sorridente; e ainda bem que não se enganou porque acaba de sintetizar a nossa conversa de forma brilhante; e, só por isso, já teria direito a mais uma castanha assada. Deixe esse seu ar de cérebro racional com pernas, ponha as emoções a funcionar e oiça-me com atenção. A conclusão a que chegámos, é que há pessoas com grande predisposição hereditária para serem criativas mas que são incapazes de realizar o esforço necessário para as materializar porque, para que tal seja possível, é preciso estudar, organizar, planificar, concretizar. E o que é que tenho a ver com isso? – Perguntei, a modos de quem não quer saber a resposta. Mas a resposta não se fez esperar. Meu caro, respondeu cantarolando, a sua forma de estar na vida confirma à saciedade e à sociedade que a conclusão da nossa conversa é verdadeira, ou seja, a sua forma de estar na vida revela o exemplo mais consistente de uma pessoa com uma fantástica predisposição hereditária para ser criativa mas que não só reivindica, quotidianamente e persistentemente, o direito á preguiça como um direito adquirido quanto não se esforça nem um bocadinho para ser diferente. Ainda eu nem sequer tinha esboçado qualquer tentativa de ripostar e já a ouvi-a rir e dizer na voz do vento: vi e percebi, pelas suas caretas, que me enganei e que em vez de jeropiga lhe ofereci dois dedos de óleo de fígado de bacalhau.
Esgano-a quando a apanhar por perto! – Prometi a mim mesmo.

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