A promessa de uma satisfação
Embalado e confiante no resultado de ter posto em prática os
três conselhos sugeridos pela minha fada sábia, apenas consegui, no entanto, dormir um sono (pouco retemperador) com vários e variados sonhos (qual deles o mais difícil de interpretar!) à mistura.
Que raio de vida a minha! Será que não percebi bem o que ela disse? - Pensei. Caríssimo, ouvi a voz dela no sopro do vento. Claro que não percebeu o
significado do terceiro conselho; vou ser mais explícita: ao copo de água (o copo tem de ser de vidro fino e transparente) com açúcar, adicione
canela (o pozinho da canela por cima da água). Cheire e pense em algo muito
bom! O resto já sabe como é. Ponderando
no rótulo de autenticidade da explicitação do seu conselho, tenho consciência, respondi-lhe, que revelo uma temeridade
que raia a inocência ao pensar que um sonho constitui a realização de um
desejo. Se assim for, acto, pensamento e desejo são primos direitos. Eu
sabia, disse ela ajeitando a franja, que
conseguia perceber que o vidro transparente, a canela e o pensamento, podem
activar no cérebro sistemas de desejo. No cérebro há sistemas de desejo? Foi isso que disse? –
Perguntei com vontade de saber. Sempre
que faz perguntas destas, respondeu
sorrindo, tenho a confirmação que a preguiça é uma virtude secreta que em si se
revela a cada minuto que me interrompe. Os sistemas de desejo, meu caro,
climatizam a afectividade, trazem tranquilidade à alma e enfunam as velas dos
desejos porque o clima do cérebro é particularmente incerto. E, continuou, já vi pela sua cara que não
percebeu nada do que acabei de dizer; mas que se há-de fazer? Eu explico
lentamente. Pense em dois relógios que comandam a sua vida. O primeiro é o Sol
que coloca o cérebro na hora certa. Não é verdade que se colar o seu tempo ao
Sol, passa a ter a certeza de o ver aparecer todos os dias pela manhã? O
segundo é a epífise, um relógio cerebral que regula as variações sazonais das
funções orgânicas. A epífise é a glândula pineal onde, dizia Descartes, mora a
alma?- Interrompi. É essa sim, até é mais conhecida por esse nome. - Respondeu. É uma glândula que produz uma
hormona, a melatonina que deriva da serotonina e que cumpre a dupla função de
relógio e calendário. Peço-lhe desculpa por ter que a interromper de novo, disse eu um pouco a medo; mas o que
agora perturba o meu pensamento é o “pozinho da canela por cima da água”. É
nele que reside a expectativa de um prazer, a promessa de uma satisfação?
Bingo, suspirou! O pozinho de canela tonifica o seu pensamento com uma acentuação
afectiva intensa (muito intensa), podendo tornar-se o conteúdo manifesto dos
seus sonhos que aspiram à realidade; os seus sonhos são nem mais nem menos que filmes que o seu cérebro constrói para lhe facilitar a vida no seu dia a dia. E se ganhasse algum tempo e procurasse conhecer as virtudes da
canela? A expectativa de um prazer e a promessa de uma satisfação impelem os seres humanos para a busca incessante do ser que nos faz falta. Não se esqueça e tenha sempre presente, porém, que há prazeres (o prazer é sempre finito e determinado) que duram apenas o tempo de uma maré baixa. A talhe de foice, já ouviu falar em Gabriela, cravo e canela?!- Exclamou divertida e galhofeira.
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