A felicidade é outra coisa
Oiça-me, meu caro! Senti na voz da manhã a minha fada sussurrar. Esse senhor Daniel Dennet padece do mal
actual que é pensar que a humanidade está em condições de perceber tudo e que
tudo pode ser explicado de forma racional. Não simpatizei muito com ele, só
pensa com a cabeça e apenas racionalmente, que quer que eu faça?! A felicidade é outra coisa e tem outra
importância. Está a dizer-me, perguntei sem
convicção, que quando Dennet afirma sem rodeios que “o segredo da felicidade é encontrar
alguém mais importante que nós próprios e dedicar-lhe a nossa vida” não tem
razão? Não é bem isso, respondeu.
Pense comigo, activando o hemisfério esquerdo do seu cérebro (sabe que o hemisfério esquerdo só sabe pensar linearmente e só lê o passado e o futuro?) onde o seu eu é um objecto. Não tenho dúvidas que a felicidade é uma escolha pessoal
consciente e que resiste a processos antagónicos da vida; e, neste aspecto, o
senhor Daniel Dennet tem alguma razão porque este tipo de felicidade é
generosa e voltada para os outros. Até sou capaz de aceitar (imagine só!) que
ele possa vir a dizer que a felicidade é uma virtude e que o ser mais feliz (no
sentido pleno da palavra) é aquele que abdica do melhor de si, para garantir a
felicidade do outro. Se assim é, não consigo entender a sua acidez, interrompi de novo. Estou farta de lhe
dizer, sibilou, que não tem jeito
para certas coisas e uma delas é esta sua mania de me cortar o pensamento;
faça-me um favor e ouça-me com atenção. Caríssimo, a felicidade é outra coisa,
a felicidade é o contrário da mediocridade e da rotina quotidiana da
existência; é uma espécie de cheiro acidulado e bom, a modos que um génio saído da sua lâmpada . E sei que assim é, desde o
tempo em que eu tinha a idade das amoras. A felicidade, para seu conforto, é
uma expressão superior de saúde. Essa agora! - Ripostei. Só me falta ouvir-lhe dizer que a felicidade sabe como controlar as doenças e os sofrimentos do corpo. Que agradável surpresa, disse ela sorrindo. Foi preciso esperar por um dia 13 (os dias 13 são dias de sorte e não de azar, não se esqueça) para o ouvir dizer uma verdade insofismável. Confirmo o que diz e confirmo que assim é; mas digo-lhe mais. Essa felicidade que controla as doenças e os sofrimentos do corpo desencadeia na alma prazeres potenciais; e, basta um momento único para que algum desses prazeres apareça inopinadamente. Tem dúvidas? Quer um exemplo? Imagine que eu estou numa esplanada de um café (com vistas largas e água por perto) e que, desafiando o seu olhar, sorrio quando o vejo (já ouviu falar em secretas bodas do olhar?). Pois sim, respondi, sou capaz de perceber que, nesse instante, eu sentiria prazer num sorriso trocado. Mas também sei que, dando asas ao hemisfério direito do meu cérebro, esse prazer seria apenas floração e não um fruto. Sentiria, isso sim, euforia e alegria e a alegria é irredutível a um qualquer prazer, não acha? Mais uma vez concordo consigo, trauteou feliz. A alegria, meu caro, é a felicidade íntima e pura onde os meus olhos se perdem afogados em sintonia com a energia do universo; fico contente por, mesmo só através da sua curta e embotada imaginação (estou a brincar consigo, obviamente, porque sabe que eu até o admiro, não sabe?) lhe ter transmitido essa sensação de alegria que lhe provocou pele de galinha. Eu não lhe dizia que a felicidade é outra coisa e que tem outra importância? Não entendeu ainda que sem mim e sem a minha presença permanente nunca mais vai ser feliz? Que falta de coragem e que cabeça dura a sua. Deixe os "Dennets" deste mundo por um bocadinho, sim? Sossegue e sinta. O que é que estará a acontecer comigo neste momento tão especial? - Perguntei-me, enquanto sentia no rosto a meiguice de um afago ao jeito da seda de uma andorinha!
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