Ver nem sempre é Ver

Tem alguma ideia, por mais pequena e incipiente que seja, dos factores dos quais depende a destreza da mão humana? – Perguntou-me de chofre a minha fada preferida, bebendo um café e segurando a asa da chávena com o polegar e o indicador da sua pequena, fina e linda mão direita. Claro que tenho, respondi. Estou fascinado a olhar para a sua mão e a resposta é simples. A destreza da mão humana depende dos mesmos factores da mão de uma fada. Ou seja, depende da independência dos dedos e da oposição entre o polegar e os outros dedos. Posso então dizer, insistiu ela, que o simples gesto de se pegar numa chávena de café com o dedo polegar e o dedo indicador, exige uma coordenação entre o sistema visual e o sistema motor no cérebro humano? Ou se quiser, perguntando-lhe de outra forma mais fácil (a si que é um pouco lento no raciocinar): os dados visuais captados numa chávena de café são convertidos em comandos motores no cérebro? Sim, parece-me ser assim, respondi um pouco agastado com a pergunta. Perceber bem um objecto é, penso, essencial para se guiar a mão (graças à articulação do braço e do antebraço) no espaço onde se situa o objecto; creio ser elementar este meu raciocínio. É um raciocínio elementar, disse ela enquanto punha canela num pastel de nata que me oferecia, no sentido de que é um raciocínio dum simples principiante em neurociências cognitivas. Eu sou um principiante? - Questionei-a. Eu que sei que o estudo científico desses mecanismos combina dados variados que resultam da anatomia do sistema nervoso do macaco, do estudo neuro psicológico de sujeitos humanos vítimas de lesões cerebrais, da psicofísica e da psicologia cognitiva humana, sou um principiante? Se sabe tudo isso, respondeu sem agressividade, também sabe que as ciências cognitivas trouxeram à luz do dia um paradoxo cognitivo: não é necessário ver um objecto para agir sobre ele; não é necessário estar visualmente consciente de um objecto para desencadear uma acção dirigida a esse objecto. Pela sua cara de espanto, já percebi que precisa de um exemplo. Aí o tem. Para apanhar, no ar, uma bola de ténis verde garrafa, não precisa de estar visualmente consciente nem da textura de lã nem da cor verde da bola. É verdade o que diz, respondi. Pode, então, explicitar se há interesse em conhecer e explorar esse paradoxo cognitivo? Há muito interesse, disse ela alinhando a sua rebelde franja de cabelo. Para, por exemplo, diagnosticar e curar a agnosia visual para com os objectos: sofrem de agnosia visual os doentes que não reconhecem visualmente um objecto mas que o reconhecem quanto o tocam, sabia?. Então, se assim é, podemos tirar duas conclusões, interrompi-a. Há pelo menos dois modos de ver ou perceber e um deles é mais conceptual que o outro; e, a maior parte das vezes, agimos sobre um objecto sem estarmos conscientes de o ter visto. Não se precipite (como é seu costume) e não me interrompa nos momentos importantes, ripostou zangada. Por hoje, acabou a nossa conversa e, se quiser voltar a falar comigo sobre este assunto, estude a ataxia óptica. No entretanto, aproveite, beba também um café e afaste docemente a noite antes que amanheça. Empresto-lhe um fio para atar o seu silêncio de calhandra assustada, rematou, sorrindo.
Ataxia óptica… Foi o que ela disse?
Fada guicha convencida! 

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