Mais uma vez os clássicos
27
E vê do mundo todo os principais
Que nenhum no bem púbrico imagina;
Vê neles que não têm amor a mais
Que a si sòmente, e a quem Filáucia ensina;
Vê que esses que frequentam os reais
Paços, por verdadeira e sã doutrina
Vendem adulação, que mal consente
Mondar-se o novo trigo florecente.
E vê do mundo todo os principais
Que nenhum no bem púbrico imagina;
Vê neles que não têm amor a mais
Que a si sòmente, e a quem Filáucia ensina;
Vê que esses que frequentam os reais
Paços, por verdadeira e sã doutrina
Vendem adulação, que mal consente
Mondar-se o novo trigo florecente.
28
Vê que aqueles que devem à pobreza
Amor divino, e ao povo caridade,
Amam sòmente mandos e riqueza,
Simulando justiça e integridade;
Da feia tirania e de aspereza
Fazem direito e vã severidade;
Leis em favor do Rei se estabelecem,
As em favor do povo só perecem.
Vê que aqueles que devem à pobreza
Amor divino, e ao povo caridade,
Amam sòmente mandos e riqueza,
Simulando justiça e integridade;
Da feia tirania e de aspereza
Fazem direito e vã severidade;
Leis em favor do Rei se estabelecem,
As em favor do povo só perecem.
Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas, canto IX
Breve nota
As referências a textos clássicos assumem
funções sociais particulares, consoante os contextos em que são proferidos. O
evocar trechos de obras exemplares da história de uma nação no plano da
liturgia proferida pelos políticos, mesmo nos casos de citações despropositadas
ignorantes ou pretensiosas, pode remeter para questões de identidade colectiva
e a forma como o presente se inscreve na curva do tempo.
Em Portugal, os versos dos Lusíadas de Luís Vaz de Camões são um bom
exemplo dessas intenções, pelo menos desde o último terço do século XIX.
Rui Norberto
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