Certeza e incerteza

Há pelo menos dois dias que me debato comigo própria sobre algo que me atormenta; mas tenho muitas dúvidas sobre a sua capacidade para entender o que eu sinto - Soprou-me, ao de leve e na voz do vento suão, a minha tão interessante e distante fada. Relevo o seu mau humor e a forma acintosa como me trata, respondi. Mas porque é que não experimenta dizer-me o que a atormenta? Talvez eu a surpreenda. Presunção e água benta é coisa que não lhe falta, interrompeu-me enquanto alisava a franja de cabelo. Mas aí tem o que me atormenta, em forma de pergunta que baila na minha cabeça: como viver de forma saudável num ambiente de incerteza? Calma, não se precipite a responder, continuou. Eu sei que um ser vivo é um objecto do mundo que procura conservar a sua identidade, independentemente das mudanças que acontecem à sua volta. Sei que a adaptação é a capacidade de resistir às mudanças habituais num determinado ambiente; e sei que a adaptabilidade (ou independência, se quiser) é a capacidade de resistir a mudanças novas e imprevisíveis. Óptimo! - Disse eu sem muita convicção. Óptimo, insisti, porque a adaptação está relacionada com a certeza do mundo que conhecemos e imagino que a adaptabilidade esteja relacionada com a incerteza do mundo em que vivemos. Sendo assim, quanto mais adaptação menos adaptabilidade. Eu não lhe pedi para não se precipitar? - Invectivou-me enfadada. É uma verdade o que acaba de dizer; mas é uma verdade que é tão só o pano de fundo da pergunta que formulei: como viver de forma saudável num ambiente de incerteza? Ou não considera que os tempos em que vivemos são de incerteza? Claro que considero, não tenho dúvidas, afirmei; mas reconheço que não sei responder à sua pergunta. Eu sabia que era perder tempo consigo; mas como tenho um fraquinho por si (até já pensei em o adoptar!), deixo-me ir na sua conversa, respondeu intempestivamente. Meu caro, existem três possibilidades de fazer frente ao ambiente de incerteza que conhecemos e em que vivemos. A primeira - a adaptabilidade passiva – (que é a pior de todas), é isolar-se da realidade, caminhando para um estado de equilíbrio termodinâmico, a morte; a segunda – a adaptabilidade activa - é aumentar a capacidade de antecipação (melhor percepção, melhor conhecimento da realidade e (no seu caso) estar sempre disponível para mim); a terceira – a evolução - , é a capacidade de progredir nesse ambiente de incerteza, ganhando independência através de decisões arriscadas e de suplementos de alma (algo que para si é impensável, constatado o facto de ser dotado de um cérebro rudimentar). Atarantado com a sua agressividade e com o seu discurso rápido, seguro e assertivo, perguntei-lhe, se a terceira possibilidade – a evolução - tinha algo a ver com a afirmação de Soren Kierkegaard quando dizia que “ousar é sempre perder equilíbrio”. A resposta não se fez esperar. Caríssimo, disparou, claro que tem e sabe muito bem que tem. A talhe de foice: é neste seu fraco saber que nascem as suas indecisões e o embota a sua vontade de agradar a todos. Mas é muito mais que isso, acredite em mim que sou fada. Será que não percebeu que quando eu falo de evolução, também estou a dizer que se passou qualquer coisa de muito interessante e muito diferente, por exemplo, entre o aparecimento da primeira bactéria e o nascimento de Shakespeare? 
Cuido eu de dizer que não abdico desta fada. Uma certeza de incerteza feita!

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