A inveja má e a inveja boa

Esta pequena estória tem por base uma universidade. Um dos seus professores, investigador brilhante, obteve tanto sucesso num dos cursos em que leccionava, que a Associação de Alunos resolveu que a cara desse professor fosse o rosto da revista (semestral) da Associação. A reacção de inveja dos outros professores não se fez esperar. Conseguiram acabar com a leccionação desse curso na universidade.
Concordo consigo, interrompeu-me a fada enquanto estacionava uma vassoura colorida. De todos os sentimentos que se exprimem no quotidiano, a inveja é um dos mais nocivos, ou seja, nada melhor que o sucesso para garantir a ira dos pares. Veja o meu caso, nada melhor que ser uma fada perfeita para lhe suscitar (a si, especialmente, mesmo não sendo meu par) uma inveja instintiva e, por vezes, também irada. Deixe-me contar-lhe, a título de exemplo, que tenho ainda bem presente o que aconteceu comigo quando frequentei a escola (andei na escola porque quis conhecer ambientes novos, não que eu necessitasse, como sabe); quando era uma jovem fada, tive que me isolar muitas vezes porque me obrigavam a pensar-me diferente; a minha safa foi sempre ter procurado (para pensar, para me defender e para desabafar em pequenas frases que escrevia nos livros) esplanadas junto ao mar e com a areia por perto (estranhamente, não me recordo de nenhum caranguejo inteligente ou interessante).
Alto aí, disse um pouco irritado, estou a falar de gente adulta e não de sentimentos de disparatadas adolescências onde tudo é possível. Devo dizer-lhe, por uma questão de honestidade intelectual, que estou preocupado em falar assim porque no seu tempo nem havia adolescência (havia apenas o conceito de puberdade, bem mais interessante e grávido de sentidos, reconheço); adolescência foi um conceito inventado pelos psicólogos no fim do século XVIII e que lhes tem dado muito jeito para ganharem umas massas. Quem falou em disparatadas adolescências e em psicólogos não fui eu, ripostou ela. A verdade é que, já adulta e qualificada (o que não é o seu caso, lamento), por causa de eu ser brilhante em tudo o que fazia, passei alguns maus bocados que resultaram em inimizades permanentes (até hoje, veja lá) que são o resultado da consciência que tive de cascas de banana, intencionalmente colocadas nos interstícios do meu espaço-tempo, para me fazerem escorregar e estatelar-me ao comprido...Mas não conseguiram, claro.
Verdade? Isso aconteceu consigo que é uma fada brilhante e sábia? – Perguntei com ar embasbacado. Se  isso aconteceu consigo, então, cada vez mais eu estou de acordo com Pascal que, num outro contexto embora, dizia que os invejosos são “gente sem palavra, sem fé, sem honra, sem verdade, duplos de coração, e semelhantes (…) a um animal anfíbio que se mantém num estado ambíguo entre peixe e ave”.
Acho que sim, disse ela sorrindo, acho que os invejosos são animais anfíbios desse tipo mas nem todos iguais. Vamos ao que interessa. Deixe que seja eu a terminar a sua estória e que depois lhe faça uma confidência. Eu terminaria a sua estória, dizendo que os melhores professores se devem recrutar nos melhores investigadores porque a paixão pela investigação é a melhor das pedagogias e é uma espécie de água de juventude para a qualidade do ensino. E, em jeito de confidência, deixe-me dizer-lhe que sei que tem inveja de mim e que eu não me importo e sabe muito bem porquê: é ou não verdade que sou eu que alimento os seus neurónios? Excelente forma de me chamar animal anfíbio, disse eu precipitadamente. Não considero que tenha sido correcta comigo. O que eu tenho que aturar, ouvi-a murmurar. Será que ele ainda não percebeu que há inveja má (a daqueles animais anfíbios que me atormentam) e a inveja boa (a dos outros que eu escolho e que me escolhem a mim, se eu deixar, óbvio).
Fada guicha e convencida...
Pensei eu, ruborizado e sem dar por isso!

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