O tema é o Eu

O Eu é uma história guardada, actualizada e actualizável no novelo de neurónios eléctricos que é o cérebro; é uma história que contamos a nós mesmos sobre as nossas mais diversas experiências. Como é que essa história emerge, eis uma questão importante. Essa história emerge das interpretações fugazes que fazemos do mundo e dos acontecimentos; sempre que pressentimos algo de novo, inventamos um tema para as nossas sensações e para a compreensão da nossa percepção. Esse tema é o Eu, interrompeu-me, com ar perspicaz e desafiador, uma fada desaparecida, e exclamou: mas que grande novidade! Mas eu, meu caro, já começo a ficar farta de lhe dizer que o Eu é demasiado profundo para ser encontrado; não facilite e não faça afirmações gratuitas, sim?
Como é que é? Então e os conhecimentos desenvolvidos pelas neurociências não servem para nada? Foi isso que acabou de me dizer? – Perguntei eu.
Claro que servem. Servem para confirmar que o Eu continua a iludir-nos, respondeu ela. Ou seja (continuou, rindo-se), as neurociências saquearam o cérebro e dissecaram o córtex mas não encontraram a nossa origem porque a mente é constituída por fragmentos e, contudo, estes fragmentos estão unidos no ser; assim se prova que o mistério persiste na experiência enraizada no cérebro; e, se tiver dúvidas, eu sou uma prova real (não uma prova fantasma como está a pensar) que assim é.
Estava eu a sentir uma espécie de zumbido de asas no cérebro mas, mesmo atordoado com o zumbido, resolvi ripostar. Sempre que revejo e recordo os meus diálogos consigo, percebo duas coisas ao mesmo tempo. Percebo que deixei de procurar a informação porque a encontro e percebo que os nossos diálogos deixam cicatrizes na escrita entretecida com as suas interrupções (sábias e criativas, reconheço) de pensamento. Porquê?
Com um ar preocupado (que preocupações teria ela?), respondeu-me a fada enquanto desaparecia na luz do amanhecer. Porque sou eu que dou sentido à sua história, sou eu que dou sentido ao seu Eu assustadoramente precário. Ainda não deu por isso? A propósito, sabia que adoro contradizer os seus solilóquios? Um dia, quando tiver mais tempo e eu achar que está preparado, hei-de falar-lhe da minha história e recordar-lhe o que significa serendipidade, prometo.
E nada mais disse. 
Nesse instante, o meu Eu sentiu a alma a quebrar!

Comentários

Mensagens populares