George Eliot estava certa

O encantador fracasso de todas as tentativas reducionistas da ciência para resolver a questão primacial da vida, provou que George Eliot estava certa. No tentacular e constante realismo dos seus diversos romances mostra-se e desvela-se a nossa realidade, no sentido em que cada um de nós é livre não só para decidir como quer viver quanto é livre para poder sempre aperfeiçoar-se: somos uma obra em curso.
Permita que o interrompa, sussurrou uma fada em voz suave, para lhe dizer que gosto do tema que escolheu; deixe-me recordar-lhe que George Eliot é o pseudónimo de Mary Ann Evans que, em1856, escreveu, absolutamente certa, que a arte é o que de mais próximo existe da vida porque é uma maneira de ampliar a experiência para além dos factos e da razão.
Posso continuar a escrever? – Perguntei, algo irritado.
Caríssimo, respondeu ela, não se amofine. Eu apenas tentei espevitar a criatividade na sua escrita e quis também esclarecer que George Eliot foi uma mulher e uma romancista muito interessante; não o interrompo mais, a menos que me apeteça, claro.
Não sei se concordo, mas tudo bem, disse eu. Quero continuar o primeiro parágrafo deste texto, dizendo que, sendo nós uma obra em curso, precisamos de uma nova visão da vida, de uma visão que reflicta a nossa indeterminação. Com a descoberta científica, por exemplo, de que a biologia floresce na desordem, passámos a ter a certeza de que quanto mais a ciência sabe sobre as dificuldades da vida, quanto mais sabemos como o ADN constrói proteínas e como as proteínas nos constroem a nós, menos a vida se parece com um relógio: a ideia fixa de uma ordem determinística é uma miragem.
Estamos livres no mundo como sempre estivemos. Sabemos que não somos totalmente livres nem totalmente determinados e sabemos o suficiente para sabermos que nunca saberemos tudo; e, por ser assim, precisamos da arte porque ela nos ensina a viver com o mistério, a incerteza e a dúvida. Os artistas podem explorar o inefável sem terem que nos oferecer uma resposta porque muitas vezes não há resposta; eles conseguem manter a nossa realidade humana na ordem do dia e com todas as suas fragilidades e com todos os pontos de interrogação.
Mary Ann Evans que eu conheci razoavelmente, interrompeu-me de novo a fada, acreditava numa existência complicada e estava convencida que as forças impessoais que influenciam a vida são, de alguma maneira e em última análise, elogios à autodeterminação; lembro-me bem de a ter provocado para ela escrever um romance a partir do seguinte tema - o ser humano é ímpar porque é único – porque eu estava e continuo convencida que a liberdade está inscrita na natureza humana.
Quando acabei de ouvir o seu pensamento tão organizado, dei-me conta, com alguma surpresa e algum encantamento à mistura, que embora tenha sido eu a escolher o tema, foi uma fada inteligente, sensível e perfeita que ditou este texto.
Eu apenas o escrevi!

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