Via Graça (5)

Admitindo como verdadeira a ideia de que pensamos com o nariz, cuidem-se quando ouvirem dizer: “isto não me cheira bem”. Há borrasca por perto e alguém se vai molhar (ou queimar) de certeza absoluta, se a expressão tiver a sua origem na denominada intuição feminina. Não vale a pena começar a tremer e a ter suores frios quando tal acontece, é melhor ser sincero (a experiência não engana!) e dizer a verdade. Há até quem, com um misto de humor q.b, afirme com convicção e saber que "uma mulher que se preza também pensa com o nariz".
Fiquemo-nos pela intuição feminina. A intuição feminina pode ser também uma confirmação de que a diversidade dos seres humanos é uma coisa boa se, por exemplo, olharmos para ela com a perspectiva que lhe imprime a selecção natural. Foi Darwin quem escreveu em “A Origem das Espécies”: “Quanto mais os seres organizados são diferentes em relação à sua estrutura, aos seus hábitos e à sua constituição (…) mais são as probabilidades de serem bem sucedidos na sua luta pela existência”.
As neurociências, porém, vão muito mais longe na valorização da intuição feminina quando atestam que o nosso sistema nervoso, desde a concepção, está destinado (onde é que já ouvi isto com outras palavras e noutro contexto?) a ser em invenção sem precedentes e permanente, tendo por base a ideia de que a biologia nasce na desordem. Mas o tentacular realismo da vida acaba por pôr a nu que não se podem descrever os momentos chave dessa invenção permanente, prescindindo das emoções e dos sentimentos: a percepção não se limita à percepção das “coisas”, inclui a percepção da percepção de um outro que nos faz falta, que procuramos (ou que nos habita desvelando-se, ousando usar uma linguagem heideggeriana).
A verdade é que se conjugarmos os dois pontos de vista, da selecção natural e das neurociências, não temos dificuldade em perceber que a intuição feminina é um regulador inventado pela vida. Não só enquanto contribui decididamente para ajudar a perceber que a liberdade está inscrita em cada um de nós quanto nos permite entender (o que não é fácil, diga-se!) que, sendo nós apenas cadeias de carbono, transcendemos a nossa origem: e só nesta transcendência da nossa origem se consegue o regresso a este futuro "locus original" que é, simultâneamente, "um regresso a casa"; lá onde tudo foi decidido.
Herdámos mentes que nos deixam escapar à nossa herança, podemos até impor a nossa vontade à nossa biologia mas fica por explicar o que pode significar (estou a recordar-me do conteúdo do “Mundo como Vontade e Representação" de Schopenhauer) a vontade indómita do querer.
Ou será que deve dizer-se: "a vontade de querer indomitantemente"? Cuido que sim, cuido eu de dizer que é a expressão adequada porque nós precisamos que as nossas sensações façam sentido: trata-se de um instinto psicológico que traduz uma busca neuronal de um timbre.
Como na música!

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