Uma princesa, um diabo verde e a química do EU

Herman Van Praag é um neurobiologista que se distinguiu por ter estudado as monoaminas cerebrais. E, contava ele que recebeu várias ameaças de morte porque através dos seus estudos, diziam alguns muito incomodados, reduzia a alma a pura matéria, deixando-a ao sabor e ao critério do diabo.
Hoje, quase trinta anos depois, sabemos que é importante, por vezes, tomar um pouco de "Prozac", por exemplo, porque este aumenta as monoaminas cerebrais e permite-nos trabalhar melhor e experimentar o prazer das relações quotidianas.
Isto também significa que o valor de um produto químico depende muito do discurso cultural e, naturalmente, da força do mercado dos medicamentos que alimenta a fome voraz de uma malfadada química do EU que se arroga o direito de substituir a imaginação, a criatividade e a força da atracção do (e pelo) Outro. Podemos pensar a química do Eu como uma invenção recente importante (cuja eficácia está demonstrada); mas será que podemos resolver através da química os problemas que antes eram resolvidos pelas relações humanas, pela cultura, pela imaginação, pelo amor até às lágrimas, pelas manifestações do afecto, pelo riso fácil e pela presença desejada?
Não sei. Mas lendo um excerto da página 11 do livro  "A Princesa", de D. H. Lawrence, fico com a ideia que o papel dos químicos será dar vida a esse diabo verde, num mundo em que a sensibilidade é um bem raro, escasso e ao alcance de poucos:
 -“ (…) Se descascares aquilo que as pessoas dizem, fazem e pensam, como a cozinheira descasca as cebolas, dentro de todas encontras um diabo verde, e esse não podemos descascar. É um diabo sempre igual, que não quer saber do que sucede às cascas que as pessoas têm por fora, nem do seu falatório, nem de assuntos de marido e mulher e crianças, de maçadas e correrias. Se tirares essas cascas às pessoas, encontras um diabo verde que todos os homens e todas as mulheres têm; e esse diabo é o verdadeiro eu do homem e o verdadeiro eu da mulher. Não quer saber de ninguém, pertence aos diabos e às fadas de antigamente, que não queriam saber de ninguém. Mas diabos também há, grandes e pequenos, também há fadas demoníacas e esplêndidas, e fadas vulgares. Fadas reais é que não há. Só tu, minha Princesinha. És a última fada saída à raça real do povo de antigamente; a última, Princesinha.”
Hoje fico-me por aqui, embrulhado no sorriso mágico da única fada real deste pequenino texto de Lawrence. Retiro-me, com o dedo indicador encostado aos lábios, cuidando eu que o diabo verde já dorme a sono solto: de há uns tempos a esta parte, vem tomando uns químicos que um neurologista americano lhe receitou por causa de uma irritação verde rubra na pele. Irritação causada, dizem, por ter ouvido na rua uns piropos dirigidos à sua Princesa. 
Na minha opinião, o neurologista enganou-se na medicação química; um beijo da Princesa resolvia o problema e não era necessário  pôr o diabo a dormir e a sonhar que é sapo e que há-de ser príncipe. Será que o neurologista se esqueceu que o ciúme também é um filho do diabo?
O diabo, a neurologia e o pó de pirlimpimpim...Eis um outro excelente tema para estudar e desvendar até onde chega o poder mágico de uma fada real.
Bioestatísticamente!

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