As histórias da vida nunca são claras

Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na luta por um bem definitivo
Em que as coisas de amor se eternizassem
Sophia de Mello Breyner Anderson

O mistério intrínseco da vida é algo que se opõe ferozmente à fanfarronice da ciência e da política (a qual, sem consciência de disso, nos habituamos a venerar) que presume que tudo um dia será desvendado ou por conjunto de equações mais ou menos esteticamente discutíveis ou por uma amostra de ideias nascidas não eticamente nalgum sótão bem estofado de estupidez excelentíssima: porque há, no mistério intrínseco da vida, mais fé numa dúvida honesta do que em metade dos credos.
Mais uma vez a nossa imortal Sophia traduz limpidamente, na quadra que encima este texto, um saber e um dizer que vêm do início do tempo (lá onde se definiu o "dia inicial inteiro e limpo/onde emergimos da noite e do silêncio"): o valor do instante para querer e saber lutar “por um bem definitivo em que as coisas de amor se eternizem”.
Quando tivermos uma visão aguçada para a vida humana vulgar e simples que nos foi destinada, ouviremos a erva crescer e o coração dos outros a bater, saberemos que beijar é o primeiro acto do livre arbítrio, constaremos que aprender com o pensamento é como desenhar um rosto e morreremos (eternizando-nos) no som que jaz no outro lado do silêncio desse longínquo (e tão presente) início do tempo.
Enquanto isso não acontecer, cada limite é um começo e um fim no sentido em que a nossa situação, em qualquer momento da vida, fornece as condições para traçar um novo caminho porque é sempre possível orientar a alma para conseguir o melhor possível recuperando dos primitivos erros; embora seja desejável não colidir com o inevitável e, com essa colisão, destruir as asas ao pensamento criativo e divergente.
Porque nós somos processo e revelação, podemos sempre mudar a nossa vida desde que nos orientemos por uma estrela. E, se houver dúvidas quanto à veracidade desta afirmação, nada melhor que pensar na sublime intuição (e no que ela significa) dos Reis Magos quando decidiram seguir uma estrela que os conduziu ao divino. Só assim, conjugando processo, revelação e estrela, aqueles que arriscam ir demasiado longe descobrem até onde podem ir.
Se neste texto a rainha é uma Estrela, um dia hei-de escrever sobre o estreito abraço do Acaso!

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