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Notícia retirada do semanário Sol (07 de Abril de 2012)
vez mais crianças e adolescentes a deixarem de tomar medicamentos e a faltarem a consultas, por carência económica; ou a chegarem sozinhas aos hospitais, porque os pais não têm disponibilidade para acompanhá-las. Muitos destes miúdos são doentes crónicos com necessidade de vigilância regular.
Aos hospitais estão também a chegar grávidas que vão às consultas sem terem tomado pequeno-almoço e mães que se vêem obrigadas a levar os filhos a cantinas sociais ou a optarem por lhes dar fast food, porque já não conseguem pagar as contas.
Só nos dois primeiros meses deste ano, quase 600 pessoas pediram ajuda aos serviços sociais do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa. Não têm como pagar as receitas na farmácia, nem os transportes e precisam de ser apoiadas para não faltarem às consultas. «Este ano, recebemos mais 20% de pedidos do que nos dois primeiros meses do ano passado», confirma ao SOL Patrícia Silva, responsável pelo serviço social deste hospital pediátrico. No ano passado, a unidade acompanhou 2654 famílias, a maioria com crianças entre os seis e os dez anos de idade.
«Actualmente há situações dramáticas», alertam as assistentes sociais dos hospitais contactados pelo SOL. Como a de Pedro, com uma doença crónica que o obriga a ser operado com frequência, mas não tem dinheiro para fazer os 100 quilómetros que o separam do seu médico da Estefânia.
No hospital mais perto de casa não há especialistas para o tratar e, por isso, o rapaz de sete anos tem de vir a Lisboa para ser visto pelo cirurgião. A mãe, desempregada há três anos, sobrevive com o rendimento mínimo e não consegue pagar os transportes. A salvação são os 53 euros para o transporte dados pelos serviços sociais da Estefânia – que lhe asseguram também o alojamento de véspera na casa criada para os pais de crianças internadas. Caso contrário Pedro não conseguiria vir ao médico.
Está longe de ser um caso único. No ano passado, 26% das crianças apoiadas neste hospital pediátrico não conseguiam completar os tratamentos médicos. Ou porque ninguém as leva às consultas ou porque não têm dinheiro para comprar os remédios necessários.
«Há uma grande quantidade de crianças em auto - gestão», denuncia ao SOL uma assistente social de um hospital nos arredores de Lisboa. «Os pais dizem sempre que não têm tempo, que não podem faltar ao emprego para irem às consultas com os filhos, que não podem passar mais tempo com eles», acrescenta. Segundo esta técnica, «os pais acham que miúdos com 12 anos são capazes de fazer medicação sozinhos».
Manuel, de 15 anos, foi operado ao coração e uma semana após a cirurgia, já em casa, sentiu-se mal. Chamou um táxi e dirigiu-se à urgência hospitalar. «Ele estava a tomar o antibiótico de forma errada», explica ao SOL a assistente social, que acompanhou o caso. Ele próprio controlava a toma da medicação, sem vigilância do pai ou da madrasta.
«Ele já costumava vir sozinho às consultas durante a semana e dizia que o pai não o podia acompanhar por estar a trabalhar; mas a ida à urgência foi num fim-de-semana, e o pai estava em casa», sublinha a técnica. Para a assistente social, «a questão mais grave é que toda a informação é prestada à criança, ele sabe qual o seu estado clínico e não há qualquer interesse do pai em contactar o hospital para perceber a situação».
Situações idênticas a esta multiplicam-se. Na urgência deste hospital nos arredores de Lisboa, começa a ser frequente a entrada de crianças em «descompensação diabética», por serem eles a gerirem a sua própria medicação.
«Há uma miúda de 15 anos que recorre muitas vezes ao hospital, com a diabetes descontrolada», ilustra a assistente social. Esta adolescente vive com a mãe, de 35 anos, e com o companheiro desta (que se encontra desempregado). A mãe tem um emprego precário e é raro acompanhar a filha às consultas. «Falámos com a mãe a explicar-lhe que tem de alimentar a jovem de forma adequada. A mãe diz que sim, mas não faz controlo, nem está interessada», conta a assistente social.
A criança mais nova que apareceu sem os pais numa consulta naquele hospital foi Ana, de oito anos: «Veio com a irmã de 14 anos a uma consulta de pediatria de rotina. Elas disseram que os pais estavam a trabalhar».
Há ainda casos de mães, em situação de precariedade, que pedem aos médicos que aumentem a distância entre as consultas dos filhos, conta Ana França, directora-clínica do Hospital Garcia de Orta, em Almada. Não apenas por não terem dinheiro para os transportes ou não quererem pagar os 7,5 euros da taxa moderadora para consulta, mas sobretudo, porque têm medo de perder o emprego se estiverem sempre a faltar para levar os filhos ao hospital, explica a médica.
Grávidas vão às cantinas sociais
À espera do terceiro filho e com uma gravidez de alto risco, Ana teve de deixar de trabalhar. Mas como a Segurança Social nunca mais lhe paga a baixa a que tem direito, já não tem dinheiro para comer. Numa das consultas na Maternidade Alfredo da Costa (MAC), em Lisboa, pediu ajuda. Foi encaminhada para as assistentes sociais. Ela e a família comem agora todas as refeições de que precisam numa cantina social.
Fátima Xarepe, directora dos serviços sociais da maternidade, a maior do país, diz que no ano passado os serviços fizeram mais de oito mil atendimentos, entre novos pedidos e casos já acompanhados anteriormente.
Este ano o número deverá subir. «Há muita gente em situação desesperada» conta a responsável, que teme que a falta de dinheiro leve a um aumento das «negligências alimentares».
Uma outra assistente social que trabalha num hospital nos arredores de Lisboa referiu ainda ao SOL que vê no hospital muitos pais sem dinheiro para comprar leite em pó para as crianças que não são amamentadas ao peito: «E dão leite de vaca a crianças de poucos meses».
Há também casos de doentes que estão a optar por fast food para si e para os filhos. hamburgueres a um euro que saem mais baratos do que uma refeição de carne feita em casa, contou ao SOL a directora-clínica do Garcia de Orta, lembrando que na região, já antes da crise, a má alimentação levava muitos a recorrer ao hospital. «As pessoas estão a poupar nos alimentos e a comer em menos quantidade».
Há também mais mulheres grávidas a deixarem de aparecer nas consultas.
Curiosamente, a falta de dinheiro que leva algumas a falhar os atendimentos é a mesma que leva outras a nunca faltar. «Não há uma única mãe adolescente hoje a faltar ao atendimento, porque precisam de ajuda. Há dois anos, havia adolescentes que não apareciam» conta Fátima Xarepe. Precisam de apoio para leite ou para fraldas, porque não os podem pagar. Como a mulher que chegou aos serviços sociais da MAC trazendo ao colo um bebé que não mudava a fralda há mais de um dia. A mãe não tinha fraldas para a criança, nem dinheiro para as comprar.

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