Um comboio de alta velocidade ou um comboio de velocidade alta, eis a questão!
"O projecto do TGV poderá gerar um buraco de quase 390 milhões de euros. Com o abandono da alta velocidade, uma solução ferroviária defendida pelos governos do PS e do PSD desde 2001, ficam em causa, para já, cerca de 124 milhões de euros de subsídios do Estado português e da União Europeia (UE). E a essa verba poderá ainda acrescer a indemnização de 266 milhões de euros que o consórcio Elos, liderado pela Soares da Costa, vai pedir ao Estado como compensação pela não concretização da obra devido ao chumbo do Tribunal de Contas (TC).
(Excerto de notícia de hoje).
(Excerto de notícia de hoje).
Quando no ano de 2012, em Portugal, se fazem malabarismos verbais (fazendo jus à retórica política mais expedita) com o interesse e com os custos financeiros do projecto da construção do TGV, vale a pena, primeiro, saber como se pensava e se escrevia em Portugal no ano de 1837 sobre a importância dos caminhos de ferro; depois, talvez tenhamos que nos interrogar se o recurso a esse tipo de retórica política expedita, não é apenas um tapa olhos e uma forma "inteligente" de alijar responsabilidades; finalmente, importa esclarecer se há ou se não há responsáveis: vão ou não ser apuradas responsabilidades?
Exerçamos, com intencionalidade, o direito ao humor corrosivo para fazer uma pergunta: será que a questão de fundo era apenas saber se se tratava da construção de um caminho de ferro para um comboio de alta velocidade ou se se tratava da construção de um caminho de ferro para um comboio de velocidade alta?
Deixem-se de retóricas mais ou menos expeditas, e:
- desmontem as irresponsabilidades dos anos passados;
- encontrem os responsáveis;
- tenham juízo e tento na língua;
- aprendam com a sabedoria dos mais velhos.
Eis aqui o texto de 1837, para ler com atenção.
Deixem-se de retóricas mais ou menos expeditas, e:
- desmontem as irresponsabilidades dos anos passados;
- encontrem os responsáveis;
- tenham juízo e tento na língua;
- aprendam com a sabedoria dos mais velhos.
Eis aqui o texto de 1837, para ler com atenção.
In «Panorama»
- jornal litterario e instructivo da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis, de 15 de Julho de 1837.
«Os meios de facil transito no interior de qualquer paiz são o elemento indispensável para a prosperidade do povo, e para o progresso da industria. As nações que seriamente cuidam no proprio argumento, persuadidas desta verdade, teem de ha muito, prestado a este objecto seria attenção. Hoje, a construcção das estradas está reduzida a preceitos, e fórma uma verdadeira sciencia, que se estuda em escholas especiaes na França, na Inglaterra, e na America Ingleza. A esta sciencia se dá o nome de Engenharia Civil.
São graves, e bem graves as queixas que, nesta parte, temos que fazer contra os nossos antepassados, os quaes, se em logar desses centenares de conventos e palacios que em todo o reino alevantaram, em monumento de uma gloria esteril, ou de uma devoção pouco judiciosa, houvessem atravessado o fertil paiz que habitamos de bons caminhos, e bem construidos canaes, dado aos nossos rios facil correnteza, aberto bons e limpos ancoradouros, plantado bosques de boas madeiras, ter-nos-íam deixado um solo mais abundante, e mais solidas e duradouras riquezas.
Só o trabalho e a industria abrem as fontes do verdadeiro progresso: mas para estes dois fundamentos da ventura geral se poderem assentar bem, cumpre animar os homens laboriosos, e industres: para isto o meio mais conveniente é o facilitar-lhes o modo de extrhir os fructos dos seus trabalhos, transportando-os facilmente aos grandes mercados; e para tal resultado se alcançar é absolutamente indispensavel a construcção de estradas e canes.
Deixaram os Romanos honrada memoria, não tanto pelos seus feitos militares, como pelas obras de publica utilidade que levaram a cabo, e das qaues algumas, que ainda existem, attestam a grandeza, e actividade daquelle povo. Muitas estradas subsistem na Europa, construidas por elles, que admiram pela sua solidez, e que merecem a attenção dos homens mais entendidos na materia. Os methodos, porém, seguidos dos modernos na construcção das vias publicas, se não se avantajam ao dos Romanos pelo lado da duração, são muito mais convenientes pela barateza e rapidez na execução da obra. Taes se podem dizer as estradas á Mac-Adam, de que em um dos seguintes numeros falaremos. Mas nenhumas produziram mais assignalado proveito, do que os caminhos de ferro, que por sua reconhecida utilidade se começam hoje a construir por toda a parte.
Os caminhos de ferro, invenção dos nossos dias, e que tanta honra fazem ao genio inglez, que os inventou, e a applicação da força motriz das machinas de vapôr, promettem produzir entre os homens mudanças taes, que só podem ser igualadas pelas que nasceram da invenção da typographia. Se esta fez com que o pensamento de um homem, podesse quasi com a rapidez do relampago communicar-se a milhares de individuos, os carros movidos por vapôr sobre caminhos de ferro, porão algum dia os povos em contacto, a bem dizer, immediato, posto que habitem em distancias uns dos outros, que dantes e ainda hoje se chamam remotas, ficando, desse modo, sendo as estradas de ferro para os objectos physicos, o que a typographia foi para o pensamento. De futuro, a Europa, cortada em todas as direcções por semelhantes vias de communicação, constituirá um só paiz, e os seus habitantes um único povo. Assim se accelerará a grande revolução que fermenta no espirito dos homens, e que tende a estabelecer a maxima parecença de costumes, de crença, de commodos, e de interesses; a crear em fim a verdadeira fraternidade entre todas as nações. Não será, pois, exaggeração dizer que a typographia, as machinas de vapôr, e os caminhos de ferro crearão realmente a idade de ouro para o genero humano.
A idéa de um caminho de ferro é muito simples; nem mais difficil é a sua construcção. Imaginemos em um caminho ordinario, bem nivelado, e com o mais suave declive em toda a sua extensão, duas linhas parallelas de barras de ferro, ligadas pelos topos umas às outras, bem firmes e seguras no chão, e em tal distancia uma da outra, que um carro, ou uma renque delles, possam correr por todo o seu comprimento: - Façamos esta idéa, e teremos a de um caminho de ferro.
Para que as rodas não saiám das linhas de ferro em que andam, teem umas bordasexternamente, que as sogigam áquelle caminho. Se o motor é a machina de vapôr, teem demais as rodas e as barras, em que giram, dentaduras, que, entrando umas nas outras successivamente, dão ao agente continuos pontos de apoio, o que produz o progressivo e rapido movimento dos mesmos carros. O pouco atrito, que resulta do duro e poído das superficies, faz com que um só cavallo conduza tres carros, levando o pezo de 16.104 arrateis. Em terreno horisontal póde esse pezo subir a 18.568 arrateis. Uma machina de vapôr de força correspondente á de quatro cavallos, puxa com a velocidade de passo accelerado, 30 carros carregados, tendo afóra isso cada um certa porção de carvão de pedra necessario para o gasto da machina.
Em Inglaterra o custo de 620 toesas destes caminhos de ferro importa em 500 libras esterlinas, pouco mais ou menos 2:600$00 réis.»
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