A triste sina de um país à beira mar plantado
TRISTIA
Não sabemos ao certo qual é o mais grave: se a chateza dos pensamentos, se a inópia dos nossos recursos.
Lê a gente certas gazetas metropolitanas e atira-as com nojo para o lado, enfastiado por uma tagalerice tão oca. Dá-lhe vontade de cravar os bicos da pena nesses aranhiços políticos e pregá-los na parede a secar como se faz nas colecções de insectos. Curiosa colecção que seria!
A intriga soez, a vaidade mesquinha, gafanhotos que saltam, macacos que riem, brunindo-se, coçando-se com as mãozinhas peludas sempre inquietas, é o efeito que nos fazem as gazetas altamente pitorescas do janotismo lisboeta.
Toda a gente sabe como o género simiesco faz rir, e nós não nos excluímos dos que em horas de tédio se divertem com os esgares da macacaria. Mas não devemos calar que nos entristece ver portal forma amesquinhada a dignidade da imprensa.
Bem sabemos que a política é uma cousa pouco limpa por sua própria natureza; mas parece-nos que entre nós a teem levado às proporções da imundície. Todos sabemos o que há por de baixo das risotas: os despeitos irritados, os interêsses ofendidos, os negócios malogrados; as folhas caídas de esperanças longamente acariciadas. Mas são melancólicas essas flores de suposta alegria, brotadas de um montouro, flores amarelas que denunciam as raivas concentradas. Que outro sentimento podem provocar senão o desdém?
Quando nos decidimos a trilhar esta estrada da política, a ver se podíamos contribuir de algum modo para a reforma das nossas cousas, já sabíamos que havíamos de topar com obstáculos de mais de uma sorte. As rãs tinham de levantar-se dos charcos, e os sapos haviam de aparecer ao sol. Seria divertido pormo-nos a grasnar como as rãs! O sapo tem um piar triste e argentino, é verdade, mas é sapo…
Deitemos pois tudo isso para trás das costas, como vulgarmente se diz, e deixemos as gentes folgarem como gostam. Emquanto fazem só isso, não fazem mal: o pior é quando as circunstâncias lhes permitem traçar na fantasia folhetins coloniais, lardeados de cálculos de aritmética preta que, por nosso mal, se tornam em brancas e geladas verdades, cruéis encargos para esta desgraçada terra, agonizante em frouxos de riso larvar.
Porque a verdade é esta. Emquanto uns riem pelo Chiado, outros choram por estas províncias obrigados a engeitar uma pátria madrasta que lhes não dá pão para comer. Emquanto os nossos impagáveis folhetinistas de toda a espécie, desde a espécie maçadora até à mais picante, românticos uns, realistas outros, estes campanudos, aqueles epigramáticos, fumam vaidosamente o seu charuto, rebolando a sua importância, ou tratando das suas negociatas – cá pelas províncias as mães choram com lágrimas de sangue as perdas dos filhos, e vão acumulando ódios que rebentarão um dia se as cousa não mudarem de rumo.
(Tinham de certo rebentado agora, se o Mestre de toda essa risonha sociedade não entendesse mais prudente sumir-se por um alçapão abaixo.)
Pois sabem, sinceramente sabem, que nos dez anos de 1875 a 1884 emigraram de Portugal 142.941 pessoas? Pois sabem que cada ano são quasi 15.000 habitantes que perdemos? Pois sabem que cada dia são mais de 40 homens válidos, pelo menos, que fogem de uma terra ingrata? Pois sabem que isto vai assim, numa progressão crescente e assustadora? Em 1878 foram 9.926; em 1879 foram 13.208; em 1880 foram 12.597; em 1881 foram 14.637; em 1882 foram 18.272; em 1883 foram 19.257; em 1884 foram 17.518.
E note-se que êstes números são apenas os que a estatística registra. A emigração clandestina, que é enorme, essa, ignora-se a quanto monta.
(…)
Oliveira Martins, in “Província, 16-III-1886"
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