Casa Pia de Lisboa (1)

Há quem tenha afirmado que a Casa Pia era uma ilha

Merece, primeiro, um comentário (jocoso e bem disposto) o facto de alguém (com responsabilidade acrescida) ter afirmado que a Casa Pia de Lisboa não poderia ter permanecido uma ilha e que tinha de se ajustar ao sistema nacional: quem fez estas afirmações, não sabe nadar. Depois, merece uma pergunta bem intencionada: o que é que se pretende dizer quando se diz "ajustar ao sistema nacional"? Finalmente, um comentário corrosivo: a longa história da Casa Pia de Lisboa ao serviço dos mais carenciados não tolera afirmações mais ou menos vagas e imprecisas.
Fixemos então.
A Casa Pia de Lisboa (fundada em 1780, 25 anos após o grande terramoto de Lisboa de 1755) não foi sempre um laboratório de modernidade educativa? Não foi sempre defensora da riqueza que as diferenças individuais e sociais comportam, no sentido em que sempre conseguiu garantir uma escolaridade (muitas vezes elevada, diversa, não linear e, especificamente, defendendo as fantásticas ideias de com as mãos também se aprende e que todos, independentemente do seu estatuto social, devem ter acesso a oportunidades de educação e ensino), especificamente, aqueles e aquelas que não faziam parte das elites e que por isso não tinham acesso à educação e ao ensino[1]? Não foi na Casa Pia de Lisboa que nasceu a primeira formatação da escola portuguesa quer na organização em classes quer na estrutura curricular quer no rigor e na disciplina? E a sua missão e sua a prioridade não foi sempre a atenção às crianças e jovens em risco? Não foi a Casa Pia de Lisboa que sempre apoiou qualquer aluno ou aluna que quisesse e tivesse capacidade para desenvolver talentos individuais?  E, a partir de 1986, não foi sempre a Casa Pia de Lisboa apresentada, considerada e visitada como uma instituição de referência nacional, por entidades nacionais e não nacionais das áreas da educação e do ensino para crianças e jovens em perigo e crianças e jovens em risco? E porque é que terá sido escolhida, por exemplo, para integrar o primeiro instituto de surdos e cegos em Portugal em 1827; e ter sido escolhida para ser a primeira escola de relojoaria em Portugal em 1894; e ter sido escolhida para integrar o primeiro instituto medico pedagógico em Portugal em 1912; e ter sido escolhida para ser a primeira escola para crianças e jovens surdocegos em 1986?
Sim, é verdade que a imagem que ficou e se perpetuou na memória da população portuguesa é que a Casa Pia de Lisboa era um grande internato e uma escola onde os jovens aprendiam um ofício que lhes era útil para a vida; e, nessa memória, sempre se identificaram grandes vultos da sociedade portuguesa (nas mais diversas áreas (económica, social,  cultural, artística, política, militar) que fizeram a sua formação na Casa Pia de Lisboa; nessa memória também continua presente que muitas das crianças e dos jovens que entravam na Casa Pia de Lisboa tinham tido antes do nascimento e logo após vidas muito complicadas.
Muitos de nós não acompanharam (ou não quiseram acompanhar) a evolução da Casa Pia de Lisboa e não se deram conta, por exemplo, que sempre houve acolhimento, educação e ensino para raparigas na Casa Pia de Lisboa; que, após 1974 (a par de uma enorme convulsão interna (reflexo da convulsão que também no país se viveu)) o internato se foi desmassificando quando se transformaram as camaratas em em Lares/Unidades residenciais (localizados no interior e no exterior dos Estabelecimentos) a partir de 1981: desta forma reduziu-se de tal forma o acolhimento em internato que no ano de 2002, havia cerca de 650 educandos internos (rapazes e raparigas) e cerca de 4000 semi internos (rapazes e raparigas).
Por este conjunto de razões, se torna urgente um trabalho de recolha, escolha e de elaboração de documentos de pesquisa, a partir do levantamento e estudo de dados que se referem aos últimos três períodos da vida da instituição, para se  ter uma ideia segura do que foi a intervenção social e educativa da Casa Pia de Lisboa a partir do ano de 1942, ano em que ocorreu em Portugal uma reforma da Assistência Pública. Nesse ano de 1942 começaram a ser integrados vários asilos da cidade de Lisboa (atente-se que é incorrecto confundir a Casa Pia de Lisboa (o que a comunicação social faz bastas vezes) antes de 1942  e após 1942: são etapas diferentes de uma longa história de uma Instituição, fundada em 1780, a quem Portugal muito deve.
O primeiro período da idade de vida da Casa Pia de Lisboa desde 1942, diz respeito ao segmento cronológico de 1942 a 1974[2] e com destaque para os anos de 1960 a 1974[3]. O segundo, exige um trabalho exaustivo de levantamento de dados entre os anos 1974[4] e 1986[5] e entre os anos 1986 e 2002[6]Finalmente, o levantamento e o tratamento dos dados referentes à actividade da Casa Pia de Lisboa entre os anos de 2002 e 2012 revelar-nos-à muitas surpresas. (Recorda-se que no final do ano de 2002, ocorreu uma crise grave na Casa Pia de Lisboa a propósito da denúncia de abusos sexuais em que estavam envolvidos educandos internos da Casa Pia de Lisboa e que deu origem ao denominado "Processo Casa Pia" e que se arrasta penosamente nos tribunais).

A “insustentável leveza” das expectativas de um estudo a fazer

O estudo que daí resultar deverá ser o resultado de um significativo trabalho de leitura e de concertação de saberes com outros intervenientes e actores na vida da Casa Pia de Lisboa no período 1942 - 2002 e com aqueles viveram a crise de 2002 e anos seguintes[7]Também parece não haver dúvidas que o denominado “Processo Casa Pia”[8], só por si, constitui um objecto de investigação que poderá e deverá revestir a forma de estudo de caso[9]. De certeza que  alguns investigadores, em diversas áreas do saber, o farão em tempo devido e em tempo útil: só nessa altura se perceberá o complexo de razões que originou o "Processo Casa Pia de Lisboa".

Hoje, 23 de Fevereiro de 2012 (dia de mais uma etapa deste longuíssimo "Processo Casa Pia" -  o que é importante é que, com saber e firmeza, se faça justiça, doa a quem doer! -, também é um dia para pensar um pouco na Casa Pia de Lisboa sob uma perspectiva diferente.
Atentemos.
A seguir ao 25 de Abril de 1974 e até aos dias de hoje, em Portugal houve momentos extremamente ricos em inovações sociais que tiveram em conta a evolução da sociedade e, particularmente, no que se refere às escolas, aos docentes, às famílias e às crianças e aos jovens[10].
Mas também houve acontecimentos, alguns com aspectos verdadeiramente trágicos que puseram em causa práticas vigentes mas que deram origem a significativas alterações no Sistema de Protecção de Crianças e Jovens em perigo[11] e a algumas inovações no Sistema Educativo Português (Subsistema Escolar). Algumas  das inovações que já eram prática na Casa Pia de Lisboa: a leccionação de diversos níveis de ensino técnico e profissional (níveis 1,2, e 3; 46 cursos em 10 áreas de actividade económica e cerca de 2000 alunos e alunas no ano lectivo de 2002/2003) bem como o ensino especializado de crianças e jovens surdos e surdocegos e, ainda, uma particular dinamização de imenso e variado leque de actividades de despertar e de dinamização cultural, do desporto (foi na Casa Pia de Lisboa que foi construído o primeiro ginásio em portugal) à música, da natação ao teatro e à dança...
Algumas inovações introduzidas no sistema educativo em 2005 (afirmando-se que se tratava de medidas de carácter estruturante), já eram rotina na Casa Pia de Lisboa (algumas delas, especificamente a partir do ano lectivo de 1995/96)[12]. Uma delas,  e logo a primeira, a que se refere à expansão do ensino técnico e profissional: a única instituição que manteve a leccionação do ensino técnico e profissional em Portugal, depois do 25 de Abril, foi a Casa Pia de Lisboa; uma outra inovação, a leccionação da língua inglesa, era prática desde a Educação Pré-Escolar; outra, o acompanhamento escolar dos alunos em actividades de enriquecimento cognitivo (ditas actividades extra curriculares) sempre fez parte do projecto educativo e de intervenção social; outra ainda, merece um destaque especial por ser importante: o desenvolvimento de um projecto de filosofia para crianças dos primeiros anos de escolaridade. O impacto desta experiência, tendo presente a opinião dos alunos e dos professores, traduz-se de formas simples: não se pode educar sem aprender a aprender, mais concretamente sem aprender a pensar[13].
Uma outra inovação (a par da iniciação à informática), mereceria um trabalho exaustivo: a existência de jornais em todos os Colégios[14], a partir de 1988 dinamizados através das mediatecas, dos centros mutltimedia, dos centros de recursos educativos, dos laboratórios de ciências e de oficinas de escrita.

Para terminar duas pequenas notas de rodapé.
A primeira, para que alguém venha explicar porque é que não se reestruturou a Casa Pia de Lisboa a partir das orientações do relatório "Casa Pia de Lisboa - Um projecto de Esperança" (2005), elaborado por um conjunto de profissionais qualificados e coordenado por Roberto Carneiro. 
A segunda, no sentido de alertar que, no mínimo, o denominado "Processo Casa Pia" devia, imperativamente, ter dado origem a três alterações estruturais no sistema de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo, em Portugal:
um Provedor da Criança há muito tempo que devia ter visibilidade;
- um Observatório das crianças e jovens em perigo devia estar em funcionamento;
- a Adopção Afectiva devia ser uma realidade.


Porque é que estas alterações estruturais não aconteceram? 
Alguém sabe?


[1]O Dr. Fernando Cardote, ex-aluno da Casa Pia de Lisboa e profissional bancário altamente qualificado, insistia sempre, dizendo que para a construção do futuro dos alunos da Casa Pia de Lisboa o céu era o limite.
[2]Um dos temas a clarificar e a ter presente é o que significava família neste período. A família constituía uma pedra angular do Estado Novo. Humilde e cristã, temente a Deus, a família era o símbolo da estabilidade institucional e do vigor moral, o lugar da transmissão dos costumes e da continuidade da tradição, com os quais se funda a identidade da Nação. A família, construída e invocada no singular, assentava numa hierarquia rígida de autoridade e de poder, de um sexo (masculino) sobre o outro (feminino), de uma geração (os pais) sobre a outra (os filhos). E também as tarefas estão atribuídas à partida: o pai, fora de casa, responsável pelo ganha-pão; a mãe, no recato do lar, consagrada à lida da casa e à educação de uma descendência numerosa.
[3]Pondere-se no testemunho (dado em Julho de 2001) de um ex-aluno e também ex-educador da Casa Pia de Lisboa: “De 1960 a 1974 o modelo educativo vigente era um modelo rígido, de fortíssima disciplina, que assentava numa grande repressão, onde os castigos físicos estavam na ordem do dia, a régua era o bastião da disciplina, os castigos colectivos de joelhos no chão, os braços abertos e os banhos de água fria eram as “ferramentas” postas à disposição dos prefeitos, professores, vigilantes e preceptores, os actuais educadores. Mas este modelo não era exclusivo dos colégios internos. Eu próprio estudei em escolas do Ministério da Educação até à quarta classe, onde apanhei muitas reguadas com a “menina dos olhos” e fiquei algumas vezes de castigo ao canto da sala com os braços levantados. Era assim o sistema. Lembro-me de as nossas mães, quando nos iam levar à escola pela primeira vez, dizerem aos professores: “não tenha pena dele, quando precisar arreei-lhe, chegue-lhe para baixo”, expressões que, muitos de nós, certamente, ainda hoje recordamos. Não era, portanto, só nos Colégios que a disciplina rígida se impunha por força do recurso aos castigos corporais. Mas estas “ferramentas” e este sistema lá iam dando frutos positivos, discutíveis hoje, é verdade, mas há que o reconhecer, fizeram a sua época e deram os seus frutos, formaram homens e mulheres com valores, cultos e trabalhadores. Isto é inegável, não o reconhecer é não nos reconhecermos a nós e aos nossos pais. Neste modelo educativo conseguíamos, até, educar grupos enormes de crianças e jovens, com muita revolta da sua parte. Eram seiscentos e setecentos num só Colégio, em camaratas de 128 rapazes que de seu tinham apenas uma cama e um armário de chapa, do tipo dos que existem nos quartéis (penso que hoje ainda são iguais), os banhos eram tomados em baterias de chuveiros colectivos e, na maior parte das vezes, com água fria. Tudo isto era possível porque o sistema vigente era repressivo, opressivo, autocrático. Vivíamos em ditadura”.
[4]A década anterior a 1974 poderá vir a revelar-se um objecto importante de estudo porque poderá recorrer-se a testemunhos de ex-alunos internos, semi - internos e externos.
[5]Aos anos de 1975 a 1985 (neste último ano foi publicada uma lei orgânica da Casa Pia de Lisboa) deverá dar-se particular realce, dados os factos que se relacionam com o despoletar da crise de 2002 por um lado, e pela necessidade de conhecer a maneira de estar de alguns actores principais da crise, por outro lado.
A estes propósito duas perguntas interessantes. Qual a razão para que apenas tenha sido aprovada uma nova lei orgânica em 2001 quando a anterior datava de 1985?E qual a razão para que nesta lei orgânica de 2001 apenas tenha sido aprovado o quadro do pessoal dirigente? E porque é que, imediatamente a seguir ao despoletar da crise, foi aprovado o quadro de pessoal não dirigente que estava pendente, há vários anos, no Ministério da tutela?
[6]O período de 1986 a 2002 corresponde à Provedoria de Luís Rebelo que soube reorganizar, recuperar e construir velhos edifícios e aumentar a Casa Pia de Lisboa e criou as condições para se desenvolverem diversas inovações educativas. Um documento importante a considerar, para recolha de informação, será a Revista da Casa Pia publicada, regularmente duas vezes por ano, partir de 1988 e até 2002. A consulta, em simultâneo, do jornal “O Casapiano” facilitará a aproximação à realidade da Casa Pia de Lisboa durante estes anos.  
[7]Logo que possível deverá considerar-se o vasto conjunto de documentos que constituem o denominado “Processo Casa Pia”, dando uma atenção particular às declarações dos principais educandos/alunos implicados, as vítimas deste processo. Sem menosprezar qualquer afirmação que possam ter feito, deverá estudar-se o papel das falácias. É evidente que a palavra de uma criança ou jovem não pode ser considerada numa perspectiva de sistemática e incondicional sacralização…deve ser registada e depois estudada com a precaução e o profissionalismo que exige a sua especificidade. E é preciso perceber como é que surgiram as denúncias; é preciso ter a certeza de que não surgiram na sequência de sugestões da acusação; é preciso apurar se houve alguém que teve conhecimento dos factos na altura em que aconteceram. Será que houve investigação suficiente e qualificada?
[8]Para o investigador e criminologista Barra da Costa o problema com o processo Casa Pia resulta de "uma confusão entre investigação criminal", que deveria ser "metódica e científica", e "protagonismo". Ao longo de todo o processo, "houve pessoas que quiseram ganhar protagonismo, acabando por se esquecer que a mentira tem a perna curta". O que "acaba por ressaltar no fim do processo são mais os aspectos marginais e a personalidade dos envolvidos do que a verdade dos factos".
[9]É quando sentimos a urgência, a pertinência e as circunstâncias que tornam específico um determinado facto, fenómeno ou problema, que sabemos que o desenvolvimento de um estudo de caso poderá, mais facilmente e mais depressa, explorar vertentes significativas da vida real no sentido em que, a partir uma situação concreta, se pode, ao mesmo tempo, esclarecer uma situação e atingir uma explicação em profundidade. Também intuímos que podendo esse estudo de caso envolver, no seu planeamento, no seu desenvolvimento e na sua análise, outros actores, nos aproximaremos duma explicação e de uma compreensão que poderá desencadear, mais rapidamente, processos de mudança porque foi garantida a permanência das características holísticas da realidade contextual.
[10]Considere-se, por exemplo, que no campo das leis relacionadas com a família, o corte introduzido pelo 25 de Abril teve carácter radical. Do ponto de vista dos conteúdos, a família na nova ordem jurídica é considerada como um espaço de companheirismo e de igualdade entre os dois cônjuges e como um lugar onde à criança filho se reconhecem não só direitos de protecção e de provisão, como também de participação em certas decisões que lhe dizem directamente respeito. Todavia é necessário ter presente que as leis são essenciais mas, da sua aplicação, não resulta imediatamente uma mudança de mentalidades.
Tenha-se ainda presente a importância da Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada para ratificação, em Portugal, através da Resolução da Assembleia da República nº 20/90, publicada no D. R. nº 211/90, Série I, 1º Suplemento, de 12 de Setembro de 1990 e Ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 49/90, de 12 de Setembro.
[11]Nos últimos anos significativas alterações nas leis que regulavam o Sistema de Protecção da Infância (nos domínios da intervenção social, da justiça e da medicina) tiveram por base “A Crise na Casa Pia de Lisboa de 2002”). Citam-se, a título de exemplo cinco diplomas legais (que demoraram a ser elaborados e aprovados): o Decreto-Lei nº 11/2008, de 17 de Janeiro (Regime de Execução do Acolhimento Familiar); o Decreto-Lei nº 12/2008, de 17 de Janeiro (Regime de Execução das Medidas de Promoção e Protecção das Crianças e Jovens em Perigo); o Decreto nº 52/2008 de 13 de Novembro (Convenção relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e medidas de protecção das crianças, adoptada na Haia em 19 de Outubro de 1996); o Despacho nº 31292/2008, de 5 de Dezembro (Aprovação do documento “Maus tratos em crianças e jovens – Intervenção da saúde” anexo ao presente despacho – “Acção de saúde para crianças e jovens em risco”); a Portaria nº 965/2009 de 25 de Agosto (Estabelece as regras de articulação entre as unidades de saúde e os serviços da segurança social e os instrumentos a utilizar, considerando o enquadramento desta matéria no âmbito da lei de protecção de crianças e jovens em perigo e do despacho nº 31292/2008).
[12]O destaque vai para a leccionação da língua inglesa na Ed. Pré-escolar e no 1º ciclo do ensino básico desde o ano lectivo de 1995/96, para o seu enriquecimento através de protocolos com entidades especializadas, para a dinamização do ensino profissional (imagem de marca da Casa Pia ao longo do tempo), para a rede de mediatecas escolares, para o enorme destaque dado às actividades desportivas e musicais, para a avaliação do pessoal docente (com regras muito claras e consensuais na Casa Pia de Lisboa desde o ano lectivo de 1995/96), para a sensibilização para a língua gestual (foi com origem do trabalho desenvolvido na Casa Pia que foi publicada a primeira gramática de língua gestual portuguesa e um dicionário de símbolos para surdocegos), e ainda para a educação e reabilitação de crianças e jovens surdocegos e o desenvolvimento de programas de formação contínua de educadores, monitores oficinais, técnicos e docentes.
Não menos importante é referir que a denominada “escola a tempo inteiro” era, por isso, algo de normal na Casa Pia de Lisboa com a importância que era dada à música, ao desporto, ao teatro, aos laboratórios, às bibliotecas, às mediatecas, aos centros multimédia (equipados com salas de informática), etc.
Que dizer de decisores políticos que na área da acção social, da educação e do ensino conheciam por experiência própria, o funcionamento da Casa Pia de Lisboa e não foram capazes de o assumir? Que pena…!
[13] Há estudos que demonstram que as crianças, iniciadas na filosofia nos primeiros anos escolares, têm melhor rendimento escolar e raciocinam melhor em todas as disciplinas, sendo mais rigorosos e compreendendo mais depressa. Têm mais capacidade de ouvir e têm mais sentido crítico que as outras crianças da sua idade. Considere-se a opinião de uma professora expressa depois de ter participado num dos seminários do projecto “Aprender a Ouvir o Pensamento”: As duas faces. Há uma coisa que todos nós valorizamos muito e que se pode descrever como uma forma de relação com os miúdos que privilegia uma atenção muito individualizada a cada um, a cada caso, a cada situação e assenta na consciência de que são os adultos que têm de gostar primeiro das crianças e não as crianças dos adultos. O amor, por definição, só pode ser uma atenção muito individualizada. Depois, e no seguimento desta convicção, acreditamos que o nosso contacto com a criança pode ser facilitador da sua aprendizagem, na medida do respeito que tivermos por ela. O resto vem por acréscimo. O outro lado da moeda é a procura constante dos conteúdos e das estratégias para os transmitir, que têm de ser pertinentes,claras e simples (mesmo quando ensinamos coisas difíceis). Logo necessidade de reflectir sobre conteúdos e estratégias para o aqui e o agora: formação científica, análise da realidade e preocupações no plano das didácticas. Os miúdos percebem muito bem e sentem quando gostamos realmente deles e quando tomamos a sério aquilo que lhes estamos a ensinar. É nesta perspectiva que todos nos movemos e, por isso, aprendemos muito uns com os outros. Foi para mim extremamente gratificante o ter podido participar no seminário “Filosofia para Crianças”, porque pude viver com colegas de todos os níveis de ensino uma experiência de trabalho, lado a lado, semelhante ao que tenho de fazer com os alunos, mas muito mais intensa e orientada nesse sentido. Aprendi imenso e ganhei bastante confiança nas minhas intuições mais profundas, de que tantas vezes duvido porque tenho medo que sejam fantasias só minhas. Verifiquei também que os outros consideravam aquela forma de trabalhar – de ser, de estar, e de abordar a realidade – muito útil e revigoradora. E, por isso, pediram para ter um seminário daquele tipo, pelo menos durante um dia, em cada período. Assim, parece-me que só será possível fazer filosofia para crianças se nós,os adultos, também formos beber na mesma fonte, porque ninguém dá o que não tem”.
[14]A título de exemplo transcreve-se parte do Editorial (Feliz tem uma pinta) do nº 1 do jornal “Grandapinta” (3 de Julho de 1985) do Colégio de Santa Catarina (O Colégio de Santa Catarina, na altura, era o único um internato misto da Casa Pia de Lisboa). “Aos mais pequenos leitores queremos explicar que Grandapinta não se escreve assim mas Grande pinta. Estamos a pensar organizar para vocês um suplemento especial “O Pintinhas”. A vossa colaboração para pintarem a primeira página do jornal é das mais queridas. Só para satisfazer a vossa curiosidade diremos que o “pintinhas” é um menino pequenino, rabino, ladino, que está sempre a fazer asneiras e que vai ter uma página especial em todos os números dos jornais. Desta vez, fintou-nos. Disse que já a tinha pronta e zás, não fez nada. Um beijinho para todos e sonhem com o “Pintinhas”. (…) “ Aos adultos sugerimos uma colaboração para todas as páginas. Também estamos a pensar um suplemento dedicado a vocês: “O Borrão”. Será um suplemento de crítica, de sugestões, e de homenagem a todos. É claro que não somos destruidores nem mata-mouros mas talvez possamos ser mata-borrão. Só vos queremos deixar uma sugestão e um conselho: façam o favor de ser adultos. Um xi-coração sentido”.

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